segunda-feira, 23 de março de 2015

A Batalha do Cuito Cuanavale - Assalto final ao triangulo do Tumpo

O mapa mostra o terceiro e último fracassado ataque da África do Sul e da UNITA às posições das forças armadas governamentais angolanas no Triângulo do Tumpo. na foto ao lado.
Toda a verdade.
Os angolanos travaram no Cuito Cuanavale a maior batalha militar no continente africano a sul do Sahara. A batalha teve um vencedor, o Povo Angolano, e um derrotado, o regime de apartheid da África do Sul e seus aliados. O comandante das tropas, general de Exército José Eduardo dos Santos, ao felicitar os seus homens lembrou que os combates que durante meses foram “o símbolo da determinação do nosso povo, de vencer ou morrer pela defesa da Pátria”.
Muitos angolanos morreram na Batalha do Cuito Cuanavale, mas o seu sacrifício não foi em vão. Angola libertou o planeta do mais grave crime que alguma vez se cometeu contra a Humanidade, ao esmagar um regime que tinha o racismo como política de Estado.
No dia 23 de Março, segunda-feira, faz 27 anos que Angola, África e o Mundo triunfaram sobre os racistas de Pretória.
Um mau começo
O mês de Março de 1988 começou mal para os invasores. Impôs-se um tempo chuvoso e as chanas do Cuando Cubango ficaram alagadas.
Os invasores sul-africanos e as tropas da UNITA preparam nessa altura o assalto final ao Triângulo do Tumpo.
Aos primeiros minutos do dia 1 de Março, Mike Muller, comandante do 61º Batalhão Mecanizado sul-africano pede o adiamento do ataque porque considera as condições “muito adversas”. O seu superior, coronel McLoughlin, aceita. Às 7h30 a artilharia das FAPLA ataca a posição dos tanques sul-africanos. Mike Muller recua para posições mais seguras. Às oito da manhã, com o céu carregado de nuvens, quatro obuses de “BM21” das FAPLA atingem um camião de apoio “61 Koppie”. Há desorientação entre o inimigo. Às 11h25 os jactos Mig angolanos aproveitam uma aberta no tecto de nuvens baixas e atacam os invasores. Alguns minutos depois, os mísseis “Stinger”, fornecidos pelos Estados Unidos à UNITA, entram em acção e Mike Muller avança com os tanques em direcção ao Triângulo do Tumpo.
Todo este relato está detalhado no livro “War in Angola – The Final South Africa Phase” do especialista sul-africano em assuntos de defesa, Helmoed Roemer Heitman.
Às 13h55, a força de Mike Muller estava a pouco mais de dois quilómetros do Triângulo do Tumpo. Os invasores já viam a ponte sobre o rio Cuito e as árvores à entrada da aldeia de Samaria. Um veículo sapador sul-africano acciona várias minas. A reacção das FAPLA é contundente. Disparam com os morteiros de 120 milímetros, os canhões “D30” e os “BM21”. Um inferno de fogo e metralha envolveu os invasores e a tropa de Jonas Savimbi. Mike Muller responde com morteiros de 81 milímetros. Às 14h22, um super-tanque “Oliphant” detonou uma mina. As FAPLA disparam de frente e do flanco esquerdo.
Os sul-africanos e as unidades da UNITA estavam num campo de minas não convencionais criado pela engenharia angolana. Mais três tanques “Oliphant” detonam minas. Um fica imobilizado porque sofreu danos graves na esteira. Mike Muller entra em desespero e recua. Nessa ocasião, a tropa de Jonas Savimbi já tinha desaparecido. Para “abrir caminho”, a artilharia dos invasores dispara 500 obuses contra as posições das FAPLA. No auge da batalha o próprio tanque “Ratel” do comandate Mike Muller é atingido numa roda. Uma antena foi arrancada pelo fogo das FAPLA.
O tanque de outro sul-africano, Tim Rudman, também fica debaixo de fogo. Um obus de morteiro de 120 milímetros explodiu numa árvore, por cima da sua cabeça. Por sorte, instantes antes Rudman tinha entrado no tanque e baixado a escotilha. Um “Oliphant”, que avançava com soldados da UNITA sentados na parte de trás, à boleia, foi atingido e o canhão arrancado da torre. Os homens de Savimbi morreram.
Recuo organizado
Segundo Heitman, a situação era “muito grave”. Mas ia piorar para o lado dos racistas sul-africanos. Uma equipa de reconhecimento dos invasores informou que os tanques das FAPLA tinham acabado de abastecer na aldeia de Samaria e avançavam para o Triângulo do Tumpo.
A população de Samaria nunca abandonou a sua terra e teve um papel importante nos combates no Tumpo e na Batalha do Cuito Cuanavale. As Forças Armadas Angolanas (FAA) têm para sempre a gente Samaria entre aqueles a quem agredecem a ajuda.
O coronel McLoughlin ordenou ao 32º Batalhão que retirasse ordenadamente e aguardasse novas ordens. Mike Muller estava a enfrentar graves problemas mecânicos nos seus tanques e ordenou a retirada para longe do teatro de operações. Mas, para desgraça, um outro “Ratel” é atingido por uma salva de 23 milímetros. Às 14h50, Mike Muller pede nova retirada “para fazer uma reavaliação”. Menos de uma hora depois Muller informa o coronel McLoughlin que só já tem cinco tanques operacionais.
O coronel contacta de imediato os generais Liebenberg e Meyer e relata-lhe o desastre. A tropa da UNITA tinha desaparecido. A artilharia das FAPLA atacava com muita força. O comando ordena então a retirada de Mike Muller, que comandava a força principal. A derrota era evidente. “Mike Muller resumiu concisamente o resultado: o inimigo é forte e astuto. Apesar de não terem uma força poderosa na cabeça-de-ponte, as FAPLA possuíam um forte dispositivo de artilharia que fez a maior parte da luta. Planearam e executaram a sua defesa, seguramente de forma muito inteligente”, diz Heitman no livro. Às 17h00 o coronel McLoughlin desiste do ataque ao Triângulo do Tumpo e Mike Muller regressa ao ponto de partida.
Operação “Hooper”
No dia 2 de Março os invasores estavam a “digerir” a derrota. O brigadeiro Smith, o coronel McLoughlin e outros oficiais sul-africanos estão no posto de comando e discutem as operações para o futuro.
O brigadeiro e o coronel decidem voar para o Rundu. Regressam no dia seguinte e trazem ordens de retirar a Bateria “Quebeque”. As baterias “Romeo” e “Sierra” continuavam no teatro de operações, mas só atacavam de noite. De dia ficavam escondidas junto à nascente do rio Chambinga. No dia seguinte chega à nascente do Chambinga a 82ª Brigada para render o pessoal. O coronel McLoughlin sai de cena e entrega o comando táctico ao coronel Fouché. O derrotado passa a pasta a um perdido. Mike Muller tem o mesmo destino: volta para casa derrotado. No dia 6 de Março o 4º Batalhão de Infantaria da África do Sul retira. Os invasores são mais uma vez escorraçados e termina a Operação “Hooper”. O apartheid continua enterrado, desta vez nos pantanais do Triângulo do Tumpo.
Nas guerras a natureza é também um adversário ou aliado. “Hooper” é um pássaro dos pântanos. Naquele dia o pássaro não emprestou as suas asas aos invasores para voarem do Triângulo do Tumpo até à vila do Cuito Cuanavale. Estava do lado da humanidade e da justiça.
Pilotos ousados
No dia 9 de Março, ao fim da tarde, um Mig 23 bombardeou uma escolta dos invasores na nascente do rio Lomba. O comando sul-africano ficou “muito preocupado”, diz Heitman, pelo ataque inesperado, mas sobretudo “porque foi um ataque muito audacioso”. Os angolanos são génios e estava traçado o início dos graves problemas que os racistas de Pretória tinham de enfrentar no Triângulo do Tumpo. Já tinham os pés enterrados, mas haviam de ficar enterrados até ao pescoço.
“O general Meyer começou a ficar impaciente porque o próximo ataque contra o Triângulo do Tumpo podia nem ter lugar. A 9 de Março, ele manifestou a sua preocupação, ao enviar uma mensagem de desagrado aos homens no terreno, devido às demoras, tendo enfatizado que a situação só beneficiava as FAPLA, que podiam aproveitar o tempo para melhorar a sua defesa. Também estava preocupado com a situação internacional, que podia obrigá-los a retirarem-se do teatro das acções combativas antes que a missão tivesse sido levada a cabo” , recorda o especialista Heitman.
Carne para canhão
O coronel Fouché decidiu fazer um ataque em força entre 20 e 22 de Março. Mas, na sua perspectiva, os oficiais e soldados “brancos” tinham de ficar de fora. Apenas entravam em combate aqueles que fossem indispensáveis. A lógica do chefe dos invasores era a seguinte: “é preciso evitar ao máximo que jovens boers continuem a morrer por uma causa nebulosa e pouco convincente”, escreve Heitman no seu livro.
Fouché apresentou o seu plano aos oficiais da UNITA que, como sempre, deram o seu acordo. Estava garantida a carne de cidadãos angolanos para os canhões do regime racista de Pretória. Assim, inutilmente e sem glória, se perderam muitas vidas humanas, que nunca seriam choradas na África do Sul do “apatrheid”.
No ataque ao Triângulo do Tumpo também participaram o Batalhão Búfalo, constituído por angolanos, e mais dois esquadrões de tanques do 61º Batalhão Mecanizado. Fouché e os oficiais da UNITA fizeram “um plano provisório” que depois entregam ao brigadeiro Smith, para aprovação superior.
Mas os invasores e a tropa de Savimbi têm uma surpresa reseervada. As FAPLA começam a pressionar a retaguarda das tropas inimigas, desferindo golpes mortíferos de aviação. Dois Mig atacam o Regimento Mooi Rivier na noite de 10 de Março.
No dia seguinte o posto de comando da 82ª Brigada sul-africana avança para o Cuito e o 61º Batalhão Mecanizado vai para a “área de desmobilização”. O Estado-Maior da 82ª Brigada separa-se do Estado-Maior da 20ª Brigada e no dia seguinte a 20ª Brigada retira-se em direcção ao Rundu, no então Sudoeste Africano, hoje Namíbia
A 13 de Março é declarado o fim oficial da Operação “Hooper”. Estava na hora de “embalar” tudo e regressar a casa. O Cuando Cubango já não era um “campo de treinos” para os cadetes boers das escolas militares.
Operação “Packer”
O alto comando sul-africano ordena então o início da “Operação Packer”. É o último folego dos invasores. A 82ª Brigada, cujas tropas fizeram treinos em Bloemfontein entre 10 e 26 de Fevereiro, recebe ordens para entrar em acção. A chuva, novamente ela, atrasou o seu avanço para Angola. Mas agora está no Cuando Cubango, pronta para atacar o Triângulo do Tumpo e a partir daí tomar a vila do Cuito Cuanavale e a sua base aérea.
O coronel Fouché assume pessoalmente o comando dos ataques ao Triângulo do Tumpo. O derrotado Mike Muller foi substituído por um tanquista experiente, o comandante Gerhard louw, e Boet Schoeman foi nomeado comandante adjunto. Mas o Triângulo do Tumpo era intransponível. Morteiros e canhões anti-tanque estavam prontos para rechaçar qualquer força que tentasse penetrar.
Nas posições principais das FAPLA estavam cinco “GRAD”. Por trás das forças de Infantaria estavam preparados dez tanques, escondidos nos refúgios. Os engenheiros angolanos fizeram campos de minas, algumas não convencionais, em todas as entradas possíveis.
O rio Tumpo e os seus afluentes eram obstáculos naturais intransponíveis num mês de Março particularmente chuvoso. A artilharia e infantaria angolanas tinham muito poder. As forças defensoras das FAPLA tornaram-se invencíveis.
Dia da decisão
Os invasores sul-africanos colocam no campo de batalha os artilheiros do Regimento da Universidade de Potchefstroom, a elite da sua artilharia. O derradeiro ataque ao triângulo do Tumpo recebe o nome de Operação “Packer”. O brigadeiro Smith marcou o ataque para 23 de Março. O coronel Fouché pede que a data seja adiada para o dia 25, porque enfrenta “grandes dificuldades logísticas”. Os Mig não descansam e atacavam com frequência as colunas de reabastecimento. O brigadeiro recusa.
No dia 18 de Março os sul-africanos perdem duas pontes móveis de engenharia, atingidas por “fogo amigo” dos canhões “G5”. A desorientação começa a apoderar-se dos sul-africanos. E foi nesse estado que partiram para a batalha final.
Os invasores atacaram com tudo: a 82ª Brigada, com mais dois esquadrões de tanques do Regimento Presidente Steyn, um esquadrão de carros blindados do Regimento Mooi Rivier, dois batalhões de infantaria motorizada do Regimento de La Rey e do Regimento Groot Karoo, artilharia do Regimento da Universidade de Potchefstroom com canhões “G5” e “G2”, 44ª Brigada de Paraquedistas e a Defesa Anti-Aérea. A UNITA entrou com os 3º, 4º e 5º batalhões regulares, o 66º e 75º batalhões semi-regulares, mais os “Stinger” oferecidos pelos EUA.
Os “Mirage” começaram a atacar no dia 19 de Março. Durante o ataque um “Mirage”, pilotado pelo major Willie van Coppenhagen, é atingido e despenha-se na área do Cavango. A 22 de Março a 82ª Brigada avança para o Triângulo do Tumpo. A infantaria da UNITA vai atrás. Às 22h45, o coronel Fouché move o comando para o planalto norte do rio Chambinga e chega à uma e meia da manhã de 23 de Março. Estavam à sua espera os generais Liebenberg e Meyer e os coronéis Deon Ferreira e Neil. Às quatro da manhã do dia 23 de Março de 1988 a força de ataque atinge a “área avançada de concentração”.
Resposta fulminante
As forças armadas respondem ao ataque do inimigo às sete da manhã, a norte da nascente do rio Dala. Dez minutos depois desta acção, entram em acção os artilheiros do Regimento da Universidade de Potchefstroom, que bombardeiam o Triângulo do Tumpo. Às oito, as FAPLA respondem com o flagelamento à força principal de ataque dos invasores. Às 8h35 um tanque “Oliphant”, no flanco direito da linha de ataque, acciona uma mina. Fica fora de combate. Entre as 11h30 e as 11h50 os “G5” disparam contra o posto de comando avançado das FAPLA em Nancova. Um aguaceiro intenso obriga a parar o fogo. O comandante Louw limpa com um “plofadder” um campo de minas. Avança em direcção ao Triângulo do Tumpo com dois esquadrões de tanques que levam à cabeça um draga-minas. As FAPLA reagem em força e às 12h45 Louw retira-se. O 5º batalhão regular da UNITA sofre severas baixas. Louw tenta avançar de novo, mas foi travado por uma barragem de fogo das FAPLA. A infantaria da UNITA é desbaratada. Às 13h46 os “Oliphant” entram num campo de minas. Dois ficam destruídos. Louw tenta atacar de novo, mas mais uma vez é travado. Às 13h48 Louw informa o comando que os tanques estão sem combustível. Andaram às voltas para evitar os campos de minas o que levou a um gasto anormal de combustível.
Contributo dos engenheiros
O excelente trabalho realizado pelos engenheiros das FAPLA na criação de obstáculos contra a infantaria mecanizada e a técnica blindada do inimigo atingiu o seu ponto culminante: os super-tanques “Oliphant” estavam confinados aos campos de minas, consumindo combustível, enquanto procuravam por uma saída, no labirinto, totalmente à mercê da artilharia e da aviação angolana. Louw viu vários “Oliphant” atingidos. Deu ordens para que todos fossem retirados. Mas apesar dos esforços, três foram abandonados. As FAPLA tinham ali os seus troféus e a prova de que tinham destroçado o regime de apartheid. O general Meyer enviou um telex ordenando que o Coronel Fouché se assegurasse que os três “Oliphant” abandonados eram destruídos. Mas isto já não era possível. Os invasores, derrotados, retiravam para Mavinga, vergados ao peso da derrota. Até final de Março, todas as unidades invasoras abandonaram Angola.
O regime de apartheid ficou enterrado no Triângulo do Tumpo. A Humanidade deve aos angolanos a libertação de Mandela, a instauração da democracia na África do Sul e a Independência da Namíbia. Março de 1988 foi o culminar do ano que mudou a face do continente africano.
Fonte JA

sábado, 7 de março de 2015

Memorias do tempo - O recomeço da guerra em Angola

Fonte: Rui Filipe Ramos in facebook

1992. Setembro/Outubro, há 23 anos, os labirintos da minha vida. Quando um dirigente da UNITA me disse «isto está por horas», eu perguntei-lhe porquê. A resposta: «Nós não vamos ganhar a segunda volta das presidenciais, por isso para nós a solução não passa pelas eleições mas pela via armada, o objectivo é tomar o bairro de Alvalade e o Futungo para prender os ministros». Ante o inexplicável laxismo e a passividade do Governo, horas depois, de repente, como se de uma acção planificada se tratasse, as forças militares da UNITA tomam a Caála e Dombe Grande e exercem uma pressão militar terrível sobre alvos governamentais no Huambo, Bié, Malanje, Mbanza Congo, Luena, Uige, Ndalatando, Lubango, Benguela, Lobito, tomam a Lunda Norte para vender diamantes utilizados na compra de armas e fazem um cerco militar a Luanda, um semi-arco que vai de Mbanza Congo a Malanje, Mussende, Nharea, Andulo e Huambo, com tropas avançadas em direcção a Caxito. As ofensivas militares da UNITA são acompanhadas da prisão e morte dos administradores, polícias, militantes e simpatizantes do MPLA, de quem até hoje ninguém fala, não sei porquê.
O Governo angolano tinha esta posição «esquisita»: não responder à UNITA, fosse o que fosse que ela fizesse, para evitar nova guerra. Por isso nunca fez nada para retirar da posse militar da UNITA, contra os acordos de Bicesse, zonas como Quimbele, Nharea, Likua, Mussende e Jamba, só para falar das mais conhecidas.
No dia 30/9/1992 a UNITA ocupa militarmente diversas embaixadas e residências de diplomatas no bairro Alvalade, em Luanda, onde Jonas Savimbi vivia em luxuosa mansão. O embaixador português António Monteiro tem de «saltar muros» mas a reacção lusa é «não empolar» a situação». Sentindo-se derrotado, Jonas Savimbi declara a 3 de Outubro de madrugada: «O CNE terá de tomar em consideração que todas as suas manobras em números falsificados levarão a UNITA a tomar posição, a qual poderá perturbar profundamente a situação deste país.» Salupeto Pena ameaça com o caos e a catástrofe se os resultados eleitorais forem publicados. Chivukuvuku fala em «somalização» de Angola. Jonas Savimbi manda os generais da UNITA abandonar o exército único nacional para regressarem às FALA. A contra-inteligência da UNITA, generais Uambo e Andrade, está em Luanda. Sean Clearly, o sul-africano branco que dirigia a UNITA na Jamba, também está. O golpe de Estado estava à vista.
Sete dias depois, domingo, dia 10, Salupeto Pena tem em seu poder alguns polícias, que as tropas de elite da UNITA capturaram quando eles iam investigar o rebentamento de uma bomba de madrugada, que eu próprio ouvi, Salupeto ameaça, na Rádio Nacional: «Se o governo tentar libertar os polícias, nós fuzilámo-los.» O Governo parece não ter forças militares, onde estão as FAA? A iniciativa militar é da UNITA em toda a sua totalidade. A seguir a UNITA «condena à morte» a representante da ONU Margareth Anstee. Há dirigentes do MPLA receosos, há quem pense em sair do país, a UNITA militarmente parece toda-poderosa, proíbe a circulação automóvel no bairro Alvalade, o povo critica estas e outras arbitrariedades…
As adormecidas forças militares governamentais acordam nesse mesmo dia 10 da letargia e começam timidamente a reagir à tomada militar do poder pela UNITA.
No dia 10 ao nascer do sol eu estava em frente do Hotel Turismo, em Luanda, onde polícias estavam reféns da UNITA e assisti pessoalmente ao recomeço da guerra, ao fim da manhã. As tropas de elite da UNITA, com boinas vermelhas, cercaram toda a área até ao Baleizão, os «ninjas» estavam expectantes, nos seus veículos de piso baixo, fora do cerco, no antigo largo D. Afonso Henriques.
A guerra recomeçou ali á minha frente, do seguinte modo: a Polícia estava furiosa com a prisão dos seus efectivos pela UNITA. Mantendo-se o impasse, um carro preto com polícias vem do Comando-geral perto da Lello em direcção à então bomba de combustível e vai até perto do Hotel Turismo. As tropas da UNITA reagem e começam a disparar. Sou apanhado pelo fogo cruzado de metralha e morteiros.
Assim que posso, saio do cerco, passo por «adormecidos» «ninjas» e corro para a Rádio Nacional, onde a guarnição militar «estava a dormir». Grito-lhes: a guerra recomeçou, acordem!!! 
A acção militar da UNITA era para vir de Caxito, onde estavam as suas tropas de elite e foi para lá que todos tentaram fugir quando as Forças Armadas Angolanas reagiram. «O MPLA não está a ganhar, o MPLA não pode ganhar as eleições, se ganhar, nem daqui a 50 anos abandona o poder», ouvi na Rádio Vorgan a voz amargurada de Jonas Savimbi na madrugada daquele dia de Outubro de 1992, recusando a segunda volta das eleições presidenciais, uma atitude de fuga que considero não-inteligente e não-própria de um dirigente, que abandonou os seus correligionários em Luanda e fugiu para a mata para desencadear a «guerra maldita» 1992-2002 que culminou com a sua morte. Um erro do Governo: avaliou mal a força militar e as intenções da UNITA, deixando «adormecer» as Forças Armadas Nacionais. Dois erros de Jonas Savimbi: em 1992 abandonou os seus homens em Luanda, eles não gostaram. Em 2002 descalçou as suas botas e foi apanhado descalço. 

PROJECTO LIBOLO

Estive em Calulo, Libolo, a terra que me viu nascer, como congressista convidado ao Congresso Internacional Linguístico (20° Conferência Anu...