Campanhas de vacinação e o controlo demográfico no sul global - REFLEXÃO
Por Artur Cussendala
A discussão sobre as campanhas de vacinação em países do Sul Global, sobretudo em África, na Ásia e na América Latina, continua a suscitar dúvidas legítimas sobre as verdadeiras intenções que, muitas vezes, estão por detrás dessas acções de saúde pública. Ao longo das últimas décadas, têm surgido denúncias e suspeitas de que algumas dessas campanhas foram utilizadas como instrumentos de controlo demográfico, travestidas de solidariedade humanitária.
Em várias regiões africanas, há registos de situações em que as autoridades nacionais foram obrigadas a suspender programas de vacinação ou a expulsar certas ONG’s, após indícios de práticas pouco transparentes. Esses episódios, embora frequentemente rotulados como “teorias da conspiração” por parte de instituições ocidentais, revelam uma realidade mais profunda: a desconfiança histórica do continente africano em relação às intenções das potências estrangeiras, sobretudo quando se trata de saúde e biotecnologia.
No caso de Angola, a reflexão é pertinente. Durante o período colonial, o regime português promovia campanhas de vacinação e vigilância sanitária de forma sistemática, sobretudo nas zonas urbanas e nos grandes centros administrativos. No entanto, cabe questionar até que ponto essas acções eram exclusivamente preventivas e de saúde pública, ou se também faziam parte de uma estratégia mais ampla de controlo populacional e social.
Os dados demográficos ajudam a alimentar essa reflexão. Em 1975, ano da independência, a população angolana era estimada em cerca de 7 milhões de habitantes, destes cerca de 300 mil eram colonos brancos. Quase quarenta anos depois, no censo de 2014, o número subiu para 15 milhões apesar da guerra fratricida, e em menos de uma década, já ultrapassamos os 35 milhões de habitantes. Esse crescimento expressivo levanta uma questão central: o que explicava o crescimento tão limitado durante o período colonial, quando havia campanhas de vacinação “constantes”? Poderia parte dessas intervenções médicas ter tido também a função de controlar a fertilidade e a expansão populacional africana?
Casos semelhantes ocorreram noutros contextos. Em 2003, por exemplo, autoridades religiosas e comunitárias do norte da Nigéria denunciaram campanhas de vacinação patrocinadas por organizações internacionais, acusando-as de incluir substâncias esterilizantes. Na Índia e nas Filipinas, surgiram igualmente relatos de campanhas de vacinação associadas a ensaios experimentais e controlo de natalidade, sempre sob a bandeira da “cooperação internacional”.
Embora não existam provas científicas definitivas que confirmem uma política deliberada de controlo populacional através da vacinação, o histórico das relações coloniais e pós-coloniais obriga-nos a manter uma postura crítica. As políticas globais de saúde não são neutras, estão imersas em relações de poder, dependência tecnológica e interesses económicos e estratégicos que muitas vezes ultrapassam o campo médico.
Por isso, torna-se essencial que os países africanos reforcem a sua autonomia científica, laboratorial e institucional, de modo a gerir de forma soberana as suas políticas de saúde pública. Só assim será possível garantir que cada intervenção sanitária responda genuinamente às necessidades da população e não a agendas externas mascaradas de altruísmo.
PS:_ Aos zelosos do sistema, não precisam me prender ou apedrejar só por pensar "alto".

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