Estrangeiros nas manifestações da oposição em Angola é a nova face do oportunismo migratório.
Por Artur Cussendala
Nos últimos anos, as manifestações organizadas por grupos da oposição em Angola têm atraído não apenas cidadãos nacionais, mas também um número crescente de estrangeiros, sobretudo oriundos da vizinha República Democrática do Congo. À primeira vista, trata-se apenas de um reflexo da convivência transfronteiriça entre povos que partilham laços étnico-linguísticos e circuitos económicos. Contudo, análises mais atentas apontam para uma motivação menos inocente que é a utilização dessas manifestações como meio estratégico para a obtenção de asilo político no estrangeiro.
Segundo relatos recolhidos por mim locais, há cidadãos estrangeiros que participam deliberadamente em protestos de natureza política em território angolano, com o objectivo de serem fotografados ou filmados entre manifestantes. Essas imagens são, depois, apresentadas a autoridades migratórias de países ocidentais como suposta prova de perseguição política em Angola. Em alguns casos, a posse de documentação angolana, muitas vezes obtida com relativa facilidade, serve para reforçar a credibilidade da narrativa perante as instituições estrangeiras.
Este fenómeno, enquadra-se no que especialistas denominam “performatividade do exílio” que não é mais do que a encenação de papéis políticos ou identitários como estratégia de sobrevivência e mobilidade social. Em contextos africanos onde as fronteiras são porosas e os sistemas de identificação continuam frágeis, torna-se difícil distinguir entre o refugiado autêntico e o oportunista que manipula causas e símbolos políticos para fins pessoais.
Do ponto de vista político, as implicações são profundas.
Em primeiro lugar, descredibiliza as manifestações legítimas da oposição, permitindo que o poder utilize o argumento da “infiltração estrangeira” para desacreditar vozes internas de contestação.
Em segundo, fragiliza a segurança dos verdadeiros activistas, pois as forças de ordem tendem a generalizar suspeitas e a reprimir de forma preventiva.
Em terceiro, prejudica a credibilidade dos pedidos de asilo legítimos, já que os abusos repetidos acabam por gerar desconfiança nas instituições internacionais.
Há ainda um impacto simbólico que não pode ser ignorado: o uso indevido da bandeira nacional e de ícones políticos angolanos por indivíduos que não partilham a história nem o sofrimento do povo angolano constitui uma forma subtil de apropriação identitária. Essa apropriação não é apenas política, mas também mediática, pois a circulação de imagens nas redes sociais globaliza o engano e confunde as narrativas sobre Angola no exterior.
É imperativo que as autoridades angolanas reforcem os mecanismos de verificação documental, sem comprometer os direitos e liberdades cívicas. A imprensa, por seu turno, deve assumir um papel fiscalizador e responsável, verificando a origem das imagens e evitando generalizações que possam alimentar discursos xenófobos ou justificar repressão. A sociedade civil precisa, com urgência, de aprofundar o estudo destas práticas, de modo a proteger tanto a integridade das lutas políticas internas quanto a credibilidade internacional do país.
Mais do que uma simples fraude migratória, o uso indevido das manifestações políticas em Angola expõe um problema mais profundo: o modo como a fragilidade estrutural do Estado e a exposição mediática das suas tensões internas se transformam em matéria-prima para narrativas fabricadas. A verdade é que, no século XXI, a política e o exílio tornaram-se também performances encenadas diante das câmaras, partilhadas nas redes e convertidas em estatutos legais.

Sem comentários:
Enviar um comentário