quarta-feira, 12 de novembro de 2025

 Resenha pessoal dos 50 anos da Independência de Angola

Por: Artur Cussendala 12NOV2025

Posso estar equivocado mas cinco décadas depois da proclamação da independência, Angola é, sem dúvida, um país soberano, com fronteiras reconhecidas e uma presença consolidada na comunidade internacional. No entanto, esta soberania, conquistada com tanto sacrifício, ainda não se traduziu plenamente em bem-estar e desenvolvimento para o seu povo. Temos um país, sim mas com uma soberania ainda incompleta em muitos aspectos internos.

Politicamente, regredimos em vários pontos. O sistema multipartidário é mais formal do que real: existe um partido hegemónico que concentra o poder político e económico, enquanto um ou dois partidos contestatários fazem o papel de uma oposição simbólica, quase decorativa. Com o fim do conflito armado, onde uma das partes saiu vitoriosa, consolidou-se uma estrutura de poder altamente centralizada, que controla o aparelho do Estado, os recursos e as oportunidades.

Em meio século, o país atravessou dois regimes distintos: o monopartidarismo de inspiração socialista e o multipartidarismo de pendor capitalista. Nenhum deles, porém, conseguiu estabelecer um sistema verdadeiramente democrático e inclusivo. A alternância de poder continua a ser uma miragem, e o Estado ainda se confunde com o partido dominante.

No sector da saúde, houve progressos inegáveis desde o fim da guerra, sobretudo no sector privado, onde a qualidade dos serviços melhorou consideravelmente. Mas o sistema público continua frágil, ineficiente e sobrecarregado, apesar dos investimentos em formação e infraestrutura.

Na educação, a situação é igualmente preocupante. A expansão quantitativa não veio acompanhada de qualidade. As políticas educacionais são inconsistentes e carecem de uma visão de longo prazo. O resultado é uma geração com mais diplomas, mas com menos conhecimento e capacidade crítica.

A economia, outrora vibrante com a produção petrolífera que chegou a atingir quase dois milhões de barris por dia, encontra-se hoje estagnada. A ausência de investimento no sector reduziu a produção a menos de metade, e o sector não petrolífero, embora com ligeiros avanços, continua débil e pouco competitivo. O país não conseguiu diversificar verdadeiramente a sua base produtiva.

Na defesa e segurança, o panorama é desanimador. Se o que vimos no desfile oficial do 50⁰ aniversário representa o auge da nossa capacidade militar, então ficámos parados no tempo. À parte alguns drones e peças de artilharia autopropulsada, as forças armadas e policiais continuam mal equipadas, carecem de meios básicos como coletes balísticos por exemplo e parecem tecnologicamente ultrapassadas. O investimento visível concentra-se nas forças de intervenção rápida e de choque, quando o essencial seria modernizar as unidades regulares e garantir a segurança das fronteiras, que permanecem porosas como nunca.

Os órgãos de inteligência e controlo do Estado tornaram-se meros nomes sem função visível. A corrupção generalizada e o desvio de fundos públicos cresceram de forma alarmante, sem que se veja uma resposta eficaz ou dissuasora. Em 50 anos, talvez nunca se tenha roubado tanto e com tamanha impunidade.

A burocracia, em vez de diminuir, parece ter aumentado, sufocando o empreendedorismo e desmotivando a iniciativa privada. A renda das famílias caiu drasticamente, a classe média praticamente desapareceu, e a pobreza voltou a atingir níveis preocupantes, mesmo nas cidades.


Chegamos, pois, aos 50 anos da independência com mais perguntas do que respostas. Continuamos a ser um país de potencial imenso, mas de realizações tímidas. A independência foi conquistada; falta conquistar o progresso, a justiça social e a dignidade plena para todos os angolanos.


QUAL É A SUA OPINIÃO?

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Homenagear Jonas Savimbi é ofender as vítimas da guerra

Homenagear Jonas Malheiro Savimbi como herói nacional é um insulto à memória das vítimas da guerra civil angolana. É negar a dor de milhares de famílias destruídas, é transformar um símbolo de violência num modelo de virtude, e é, sobretudo, deturpar a verdade histórica de um país que ainda não cicatrizou as feridas do seu próprio passado.

Ao contrário do que muitos procuram fazer crer, Jonas Savimbi não foi um libertador.
Durante o período da luta anticolonial, ele não combateu o colonialismo português mas sim os seus próprios compatriotas.
Formado e recrutado pela PIDE-DGS, a polícia política do regime salazarista, Savimbi tornou-se instrumento de divisão interna, sabotando a unidade entre os movimentos de libertação.
Enquanto o MPLA, o FNLA e outros combatentes sacrificavam vidas para expulsar o colonizador, Savimbi travava uma guerra paralela, uma guerra de ambição pessoal e de manipulação externa.
A sua passagem pela Frente Leste, o contacto com serviços secretos portugueses e o apoio indirecto que recebeu durante o período colonial evidenciam que Savimbi não nasceu da resistência mas da estratégia portuguesa de infiltrar e desarticular a luta pela independência.
Ele foi, em essência, um produto do colonialismo que, mais tarde, se reinventou como nacionalista para capitalizar o discurso da libertação em Alvor.
Depois da independência, em 1975, mostrou o seu verdadeiro rosto, de um homem obcecado pelo poder, que preferiu incendiar o país a aceitar o papel de opositor político legítimo.
Transformou a UNITA numa força de destruição, sustentada por potências estrangeiras - primeiro pela África do Sul do apartheid e, depois, pelos Estados Unidos em plena Guerra Fria.
A sua ambição mergulhou Angola em décadas de sofrimento, com massacres de civis, execuções sumárias, raptos, trabalho forçado e o uso sistemático de minas terrestres que ainda hoje mutilam inocentes.
Homenagear Jonas Savimbi é, portanto, reabrir feridas antigas e humilhar as vítimas da sua violência.
É dizer ao povo que a destruição pode ser heroísmo, e que a ambição de um homem vale mais do que a dor de uma nação inteira.
Um país que procura a reconciliação verdadeira não pode colocar no mesmo pedestal os que lutaram pela libertação e os que combateram a libertação.
Reconhecer o papel histórico de Savimbi é necessário mas glorificá-lo é deturpar a história.
A verdade é que ele não libertou Angola; pelo contrário, atrasou o sonho de independência e condenou gerações inteiras a viver sob a sombra da guerra.
A reconciliação não se constrói sobre mentiras políticas, mas sobre memória, justiça e verdade.
Se Angola quiser realmente honrar o seu passado, deve erguer monumentos às vítimas da guerra, não aos seus autores.
O país precisa de memoriais que contem a história dos que sofreram e não dos que fizeram sofrer.
A paz não se consolida com homenagens a quem semeou o ódio, mas com respeito aos que, silenciosamente, suportaram o peso da tragédia.
É preciso coragem moral e intelectual para dizer o que muitos tentam esconder:
Jonas Savimbi não foi libertador, foi divisionista. Não foi herói, foi responsável por um dos capítulos mais sombrios da nossa história.
O verdadeiro herói é o povo angolano que sobreviveu à guerra, à fome, às minas, à perda e ao esquecimento.
Homenagear Savimbi é ofender esse povo.

sábado, 1 de novembro de 2025

Valdir Cônego e o desafio da maturidade política no MPLA

Quinta-feira 31OUT2025

Nem sei como iniciar essa reflexão mas a julgar pelo comportamento e pelas declarações recentes de Valdir Cônego, é plausível admitir que o jovem dirigente possa atravessar um período de instabilidade psíquica que afecta a sua percepção e a forma como interage com a realidade. Diante dessa situação sensível, seria desejável que o MPLA, em vez de recorrer a medidas de carácter punitivo, como a expulsão, adoptasse uma postura mais humana e institucionalmente madura.
Um partido com a dimensão histórica e responsabilidade política do MPLA poderia demonstrar grandeza ao encaminhar Valdir Cônego para acompanhamento médico e psicológico adequado, procurando compreender as causas subjacentes do seu comportamento, em vez de simplesmente o descartar. Tal atitude revelaria não apenas sensibilidade social, mas também inteligência política, ao reconhecer que a saúde mental é um tema que merece atenção, sobretudo em figuras públicas submetidas a forte pressão.
As atitudes recentes de Valdir Cônego evocam, em certa medida, o caso de Carlos Contreiras, do extinto Partido Republicano de Angola (PREA), cuja actuação, em determinados momentos, também parecia distanciar-se da racionalidade política convencional. Ambos os casos sugerem que, por vezes, a fronteira entre convicção e delírio pode ser ténue, exigindo prudência e empatia por parte das instituições partidárias.
Em suma, proceder com expurgos automáticos pouco contribui para a imagem e a coesão interna de um partido do peso do MPLA. Pelo contrário, uma resposta pautada pela compreensão e pelo amparo seria o verdadeiro sinal de maturidade política e de compromisso com os valores humanos que deveriam sustentar qualquer organização com vocação de poder.
Se até Savimbi perdoaram e vão condecorar ao invés de o condenar, como acreditar na V/seriedade e sensatez???!!!

Estrangeiros nas manifestações da oposição em Angola é a nova face do oportunismo migratório.

VOCÊ SABIA DISSO?

Nos últimos anos, as manifestações organizadas por grupos da oposição em Angola têm atraído não apenas cidadãos nacionais, mas também um número crescente de estrangeiros, sobretudo oriundos da vizinha República Democrática do Congo. À primeira vista, trata-se apenas de um reflexo da convivência transfronteiriça entre povos que partilham laços étnico-linguísticos e circuitos económicos. Contudo, análises mais atentas apontam para uma motivação menos inocente que é a utilização dessas manifestações como meio estratégico para a obtenção de asilo político no estrangeiro.
Segundo relatos recolhidos por mim locais, há cidadãos estrangeiros que participam deliberadamente em protestos de natureza política em território angolano, com o objectivo de serem fotografados ou filmados entre manifestantes. Essas imagens são, depois, apresentadas a autoridades migratórias de países ocidentais como suposta prova de perseguição política em Angola. Em alguns casos, a posse de documentação angolana, muitas vezes obtida com relativa facilidade, serve para reforçar a credibilidade da narrativa perante as instituições estrangeiras.
Este fenómeno, enquadra-se no que especialistas denominam “performatividade do exílio” que não é mais do que a encenação de papéis políticos ou identitários como estratégia de sobrevivência e mobilidade social. Em contextos africanos onde as fronteiras são porosas e os sistemas de identificação continuam frágeis, torna-se difícil distinguir entre o refugiado autêntico e o oportunista que manipula causas e símbolos políticos para fins pessoais.
Do ponto de vista político, as implicações são profundas.
Em primeiro lugar, descredibiliza as manifestações legítimas da oposição, permitindo que o poder utilize o argumento da “infiltração estrangeira” para desacreditar vozes internas de contestação.
Em segundo, fragiliza a segurança dos verdadeiros activistas, pois as forças de ordem tendem a generalizar suspeitas e a reprimir de forma preventiva.
Em terceiro, prejudica a credibilidade dos pedidos de asilo legítimos, já que os abusos repetidos acabam por gerar desconfiança nas instituições internacionais.
Há ainda um impacto simbólico que não pode ser ignorado: o uso indevido da bandeira nacional e de ícones políticos angolanos por indivíduos que não partilham a história nem o sofrimento do povo angolano constitui uma forma subtil de apropriação identitária. Essa apropriação não é apenas política, mas também mediática, pois a circulação de imagens nas redes sociais globaliza o engano e confunde as narrativas sobre Angola no exterior.
É imperativo que as autoridades angolanas reforcem os mecanismos de verificação documental, sem comprometer os direitos e liberdades cívicas. A imprensa, por seu turno, deve assumir um papel fiscalizador e responsável, verificando a origem das imagens e evitando generalizações que possam alimentar discursos xenófobos ou justificar repressão. A sociedade civil precisa, com urgência, de aprofundar o estudo destas práticas, de modo a proteger tanto a integridade das lutas políticas internas quanto a credibilidade internacional do país.
Mais do que uma simples fraude migratória, o uso indevido das manifestações políticas em Angola expõe um problema mais profundo: o modo como a fragilidade estrutural do Estado e a exposição mediática das suas tensões internas se transformam em matéria-prima para narrativas fabricadas. A verdade é que, no século XXI, a política e o exílio tornaram-se também performances encenadas diante das câmaras, partilhadas nas redes e convertidas em estatutos legais.

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

O Regionalismo interno na UNITA e os seus desafios contemporâneos

Por Artur Cussendala

As eleições internas no XIV congresso da UNITA revelam, em essência, a persistência de uma clivagem histórica dentro do partido, enraizada em rivalidades regionais e identitárias que remontam ao período da sua formação. De um lado, encontram-se os militantes oriundos do Huambo, que sustentam maioritariamente o ex-presidente do partido; do outro, perfila-se o principal desafiante, o filho do líder fundador, cuja base de apoio se concentra, de forma expressiva, entre os militantes provenientes do Bié.


Essa divisão não é um fenómeno novo. Desde a fundação da UNITA, em 1966, no "interior do Moxico", Jonas Savimbi procurou construir uma base política sólida no planalto central, apoiando-se sobretudo nas populações ovimbundas do Bié e do Huambo. No entanto, ao longo das décadas seguintes, a distribuição desigual de influência, prestígio e acesso aos centros de decisão contribuiu para o surgimento de rivalidades internas. O Huambo, por ter sido considerado o “coração político” da UNITA e sede simbólica da resistência durante a guerra civil, passou a gozar de um prestígio que muitos militantes do Bié consideram desproporcional.

O actual confronto eleitoral dentro do partido, portanto, deve ser compreendido como a expressão contemporânea dessa disputa histórica pelo protagonismo no seio do partido. Trata-se, em última instância, do auge do regionalismo tribal entre ovimbundos e, um fenómeno que fragiliza a coesão partidária e desafia a narrativa de unidade nacional que a UNITA tenta consolidar desde a transição para a democracia multipartidária em 1991.

Do ponto de vista político, tal fragmentação projeta sérias dúvidas quanto à capacidade do partido de gerir, em escala nacional, as complexas diversidades étnicas, regionais e culturais de Angola. A dicotomia entre “huambistas” e “bienos” reflete uma herança que o partido ainda não conseguiu superar desde a era de Savimbi, revelando que a luta pela liderança não é apenas de natureza ideológica ou geracional, mas também simbólica e territorial.

Em última estância, a persistência do regionalismo na UNITA representa um obstáculo estrutural à sua consolidação como força nacional de alternativa ao poder. Enquanto o partido não conseguir ultrapassar a lógica de pertença regional e afirmar um projecto assente em valores programáticos universais como a democracia interna, a meritocracia e a inclusão, continuará vulnerável à fragmentação e ao descrédito.

Mais do que uma disputa entre figuras ou províncias, o actual congresso põe à prova a maturidade política da UNITA e a sua capacidade de se reinventar num contexto nacional cada vez mais exigente. Se prevalecer o espírito de unidade e o sentido de missão nacional, o partido poderá emergir mais coeso e preparado para disputar o poder com legitimidade moral e política. Caso contrário, permanecerá refém das suas próprias contradições históricas e, o sonho de uma oposição forte e estável em Angola continuará adiado.


terça-feira, 28 de outubro de 2025

 Instrumento jurídico vai responsabilizar cidadãos pela divulgação de informações falsas na internet

28-10-2025 | Fonte: CIPRA

O país contará com um  instrumento jurídico com medidas preventivas e de responsabilização de cidadãos pela produção e divulgação de informações e notícias falsas na internet.

Trata-se da Proposta de Lei Contra Informações Falsas na Internet que foi apreciada nesta segunda-feira, 27 de Outubro, pelo Conselho de Ministros, para envio à Assembleia Nacional.

O diploma surge no âmbito do crescimento tecnológico e da expansão de novas plataformas de comunicação social.

Segundo o ministro das Telecomunicações, Tecnologias de informação e Comunicação Social, Mário Oliveira, no final na reunião, o instrumento é importante para o desenvolvimento dos países, mas igualmente representa algum perigo quando ele não é regulado.

“Hoje o mundo caminha para a regulação do ambiente digital, de forma a que possamos, ou que as sociedades possam, de facto, proteger os países, as organizações e, sobretudo, os seus cidadãos”, disse o ministro.

Além da proposta sobre informações falsas, o Conselho de Ministros apreciou, também para envio à Assembleia Nacional, a Proposta de Lei da Cibersegurança, diploma que visa ajustar o quadro normativo aplicável à cibersegurança com a rápida evolução verificada no sector das telecomunicações e tecnologias de informação.

O objectivo é também implementar medidas para enfrentar as ciberameaças ou ciberataques que periguem os interesses nacionais e a soberania digital, para garantir o normal funcionamento das instituições públicas e privadas, assim como respeitar os direitos e liberdades individuais, por via de um sistema eficiente de protecção de dados pessoais.

Ainda no sector das Telecomunicações, Tecnologias de informação e Comunicação Social, foi apreciado o Projecto de Decreto Presidencial que cria o Centro Nacional de Cibersegurança e aprova o seu Estatuto Orgânico.

O diploma permitirá consolidar Angola como um país mais seguro e competitivo no ambiente digital, promover uma abordagem inovadora e inclusiva para a melhoria do sistema tecnológico, desenvolver acções que estimulem a protecção de infra-estruturas e serviços críticos de informações, e promover uma cultura de segurança cibernética, em conformidade com as normas e boas práticas internacionais.

Para o ministro Mário Oliveira, o grande objectivo é criar condições para proteger os cidadãos e as instituições, de tal maneira que o instrumento contempla a criação do Centro de Respostas a Ataques Cibernéticos e a obrigatoriedade de as instituições reportarem.

O ministro sublinhou que este diploma vai regulamentar e disciplinar, igualmente, o uso de equipamentos não certificados, para a protecção dos cidadãos e das instituições.

Na mesma sessão, foi apreciado o Projecto de Decreto Presidencial que cria o Conselho Nacional de Cibersegurança e aprova o seu Regimento. Este diploma que tem como objectivo a criação de um órgão colegial multidisciplinar de natureza consultiva do Titular do Poder Executivo.

O documento assegura a coordenação e a articulação entre as entidades públicas e privadas que intervêm directamente no processo de concepção e implementação da protecção e resiliência do ciberespaço angolano.

O Conselho de Ministros apreciou, igualmente, o Projecto de Decreto Presidencial que altera o Regulamento Geral das Comunicações Electrónicas.

O diploma estabelece o regime jurídico aplicável às redes e serviços de comunicação electrónicas, às frequências e numerações ao serviço universal, de modo a assegurar os investimentos e o surgimento de novos operadores de comunicações electrónicas.

 

 Campanhas de vacinação e o controlo demográfico no sul global - REFLEXÃO

A discussão sobre as campanhas de vacinação em países do Sul Global, sobretudo em África, na Ásia e na América Latina, continua a suscitar dúvidas legítimas sobre as verdadeiras intenções que, muitas vezes, estão por detrás dessas acções de saúde pública. Ao longo das últimas décadas, têm surgido denúncias e suspeitas de que algumas dessas campanhas foram utilizadas como instrumentos de controlo demográfico, travestidas de solidariedade humanitária.
Em várias regiões africanas, há registos de situações em que as autoridades nacionais foram obrigadas a suspender programas de vacinação ou a expulsar certas ONG’s, após indícios de práticas pouco transparentes. Esses episódios, embora frequentemente rotulados como “teorias da conspiração” por parte de instituições ocidentais, revelam uma realidade mais profunda: a desconfiança histórica do continente africano em relação às intenções das potências estrangeiras, sobretudo quando se trata de saúde e biotecnologia.
No caso de Angola, a reflexão é pertinente. Durante o período colonial, o regime português promovia campanhas de vacinação e vigilância sanitária de forma sistemática, sobretudo nas zonas urbanas e nos grandes centros administrativos. No entanto, cabe questionar até que ponto essas acções eram exclusivamente preventivas e de saúde pública, ou se também faziam parte de uma estratégia mais ampla de controlo populacional e social.
Os dados demográficos ajudam a alimentar essa reflexão. Em 1975, ano da independência, a população angolana era estimada em cerca de 7 milhões de habitantes, destes cerca de 300 mil eram colonos brancos. Quase quarenta anos depois, no censo de 2014, o número subiu para 15 milhões apesar da guerra fratricida, e em menos de uma década, já ultrapassamos os 35 milhões de habitantes. Esse crescimento expressivo levanta uma questão central: o que explicava o crescimento tão limitado durante o período colonial, quando havia campanhas de vacinação “constantes”? Poderia parte dessas intervenções médicas ter tido também a função de controlar a fertilidade e a expansão populacional africana?
Casos semelhantes ocorreram noutros contextos. Em 2003, por exemplo, autoridades religiosas e comunitárias do norte da Nigéria denunciaram campanhas de vacinação patrocinadas por organizações internacionais, acusando-as de incluir substâncias esterilizantes. Na Índia e nas Filipinas, surgiram igualmente relatos de campanhas de vacinação associadas a ensaios experimentais e controlo de natalidade, sempre sob a bandeira da “cooperação internacional”.
Embora não existam provas científicas definitivas que confirmem uma política deliberada de controlo populacional através da vacinação, o histórico das relações coloniais e pós-coloniais obriga-nos a manter uma postura crítica. As políticas globais de saúde não são neutras, estão imersas em relações de poder, dependência tecnológica e interesses económicos e estratégicos que muitas vezes ultrapassam o campo médico.
Por isso, torna-se essencial que os países africanos reforcem a sua autonomia científica, laboratorial e institucional, de modo a gerir de forma soberana as suas políticas de saúde pública. Só assim será possível garantir que cada intervenção sanitária responda genuinamente às necessidades da população e não a agendas externas mascaradas de altruísmo.
PS:_ Aos zelosos do sistema, não precisam me prender ou apedrejar só por pensar "alto".

  Resenha pessoal dos 50 anos da Independência de Angola Por: Artur Cussendala 12NOV2025 Posso estar equivocado mas cinco décadas depois da ...