O GASÓLEO SUBIU NA CALADA DA NOITE A 400 CONTOS O LITRO.
Noutras paragens, pequenas alterações nos preços de bens essenciais bastam para incendiar consciências e pôr multidões nas ruas. Em 2019, no Chile, um aumento de apenas 30 pesos (cerca de 4 cêntimos de euro) no preço do metro foi o estopim de uma onda de manifestações massivas que exigiram reformas profundas no sistema político e social. No Brasil, um reajuste de centavos nas tarifas de transporte público em 2013 levou milhões às ruas, num movimento que paralisou cidades inteiras e forçou o governo a recuar.
Entretanto, em Angola, onde os salários se mantêm congelados há anos, corroídos pela inflação e sem correspondência com o custo real de vida, assiste-se, em silêncio quase sepulcral, à escalada vertiginosa do preço do gasóleo: que em uns meses saiu de 160,00 KZ para 300,00 KZ por litro e, agora, para absurdos 400,00 KZ/l. E pasmem-se: ninguém protestou ainda. Nenhuma greve geral, nenhuma manifestação expressiva. Apenas um silêncio resignado, como se tal fosse natural, como se fosse normal que um país em que a maioria sobrevive com muito pouco, aceite tão passivamente mais um golpe no seu já frágil poder de compra.
Importa lembrar que o gasóleo em Angola não é apenas um combustível de transporte. É um motor de sobrevivência. Num país com rede eléctrica intermitente e mal distribuída, o gasóleo mantém geradores a funcionar em hospitais, escolas, padarias, fábricas, fazendas e pequenas empresas. Ele é o sangue que ainda corre nas veias de uma economia maioritariamente informal que sustenta milhares de famílias. O seu encarecimento, vai inflacionar o custo da produção agrícola, do transporte de mercadorias, da pesca artesanal e do pão nosso de cada dia.
E, no entanto, reina o silêncio. Um silêncio ensurdecedor. Que povo é este que parece ter perdido a capacidade de indignar-se? Que ferida histórica, que trauma colectivo ou que medo mal resolvido o impede de dizer basta? Será a repressão? Será a desconfiança generalizada na eficácia da contestação? Será a fragmentação social que impede a solidariedade activa? Ou será simplesmente o cansaço de décadas de promessas não cumpridas?
Em tempos não tão distantes, uma subida do preço do pão derrubava tronos em outras geografias. Hoje, a subida do gasóleo passa como uma nota de rodapé no meu meu amado país. Há algo de profundamente errado num país onde se naturaliza o insustentável e se aceita o inaceitável. Um povo que não reage diante do empobrecimento programado, da deterioração do bem-estar colectivo, da injustiça económica, corre o risco de ser permanentemente governado por quem não o respeita.
A pergunta que não se cala é: até quando? Até quando vamos aceitar calados o fardo que nos impõem? Até quando seremos espectadores da nossa própria decadência?
Artur Cussendala