sexta-feira, 4 de julho de 2025

 O GASÓLEO SUBIU NA CALADA DA NOITE A 400 CONTOS O LITRO.


Noutras paragens, pequenas alterações nos preços de bens essenciais bastam para incendiar consciências e pôr multidões nas ruas. Em 2019, no Chile, um aumento de apenas 30 pesos (cerca de 4 cêntimos de euro) no preço do metro foi o estopim de uma onda de manifestações massivas que exigiram reformas profundas no sistema político e social. No Brasil, um reajuste de centavos nas tarifas de transporte público em 2013 levou milhões às ruas, num movimento que paralisou cidades inteiras e forçou o governo a recuar.

Entretanto, em Angola, onde os salários se mantêm congelados há anos, corroídos pela inflação e sem correspondência com o custo real de vida, assiste-se, em silêncio quase sepulcral, à escalada vertiginosa do preço do gasóleo: que em uns meses saiu de 160,00 KZ para 300,00 KZ por litro e, agora, para absurdos 400,00 KZ/l. E pasmem-se: ninguém protestou ainda. Nenhuma greve geral, nenhuma manifestação expressiva. Apenas um silêncio resignado, como se tal fosse natural, como se fosse normal que um país em que a maioria sobrevive com muito pouco, aceite tão passivamente mais um golpe no seu já frágil poder de compra.

Importa lembrar que o gasóleo em Angola não é apenas um combustível de transporte. É um motor de sobrevivência. Num país com rede eléctrica intermitente e mal distribuída, o gasóleo mantém geradores a funcionar em hospitais, escolas, padarias, fábricas, fazendas e pequenas empresas. Ele é o sangue que ainda corre nas veias de uma economia maioritariamente informal que sustenta milhares de famílias. O seu encarecimento, vai inflacionar o custo da produção agrícola, do transporte de mercadorias, da pesca artesanal e do pão nosso de cada dia.

E, no entanto, reina o silêncio. Um silêncio ensurdecedor. Que povo é este que parece ter perdido a capacidade de indignar-se? Que ferida histórica, que trauma colectivo ou que medo mal resolvido o impede de dizer basta? Será a repressão? Será a desconfiança generalizada na eficácia da contestação? Será a fragmentação social que impede a solidariedade activa? Ou será simplesmente o cansaço de décadas de promessas não cumpridas?

Em tempos não tão distantes, uma subida do preço do pão derrubava tronos em outras geografias. Hoje, a subida do gasóleo passa como uma nota de rodapé no meu meu amado país. Há algo de profundamente errado num país onde se naturaliza o insustentável e se aceita o inaceitável. Um povo que não reage diante do empobrecimento programado, da deterioração do bem-estar colectivo, da injustiça económica, corre o risco de ser permanentemente governado por quem não o respeita.

A pergunta que não se cala é: até quando? Até quando vamos aceitar calados o fardo que nos impõem? Até quando seremos espectadores da nossa própria decadência?

Artur Cussendala 

quarta-feira, 2 de julho de 2025

A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA

Apesar de Agnóstico, desta vez, faço vénia e subscrevo por inteiro as palavras de André Ventura: o islamismo, tal como tem se manifestado em várias partes do mundo, é uma ameaça concreta às sociedades cristãs e às democracias seculares. E Angola, apesar de ainda pouco afetada, deve manter os olhos bem abertos.



O problema não está na fé em si, mas no radicalismo que muitos fazem dela: uma doutrina política, uma arma de submissão e um projeto civilizacional hegemónico. O islamismo radical não se contenta em conviver, ele pretende substituir, subjugar, moldar a sociedade ao seu modelo. Em muitos países onde se implantou, extinguiu a pluralidade religiosa e institucionalizou a intolerância. Igrejas são queimadas, cristãos perseguidos, mulheres reduzidas a cidadãs de segunda classe e a lei religiosa substitui os códigos civis. Basta olhar para casos como o Irão, o Afeganistão, a Somália ou a Arábia Saudita só como exemplo.

Agora vejamos aqui em Angola. Um país de maioria esmagadoramente cristã, onde a convivência religiosa foi durante muito tempo pacífica. No entanto, nos últimos anos, surgiram sinais de infiltração doutrinária por parte de movimentos islâmicos financiados por países estrangeiros. Em certas zonas do país, nomeadamente no norte e em quase toda cidade de Luanda, já se notam pregadores e comunidades que actuam à margem da nossa cultura, promovendo uma islamização silenciosa, muitas vezes associada a discursos que rejeitam abertamente os valores tradicionais, cristãos e democráticos.

É legítimo questionar: por que razão os mesmos que aqui exigem tolerância, espaço e respeito pela sua fé, não levantam a voz contra a perseguição de cristãos nos países de maioria islâmica? Por que razão tantos muçulmanos vivem confortavelmente em países laicos ou cristãos, mas nenhum país islâmico concede os mesmos direitos a igrejas e missionários?

Os decisores políticos em Angola não podem cair na armadilha da ingenuidade multicultural. A liberdade religiosa deve ser respeitada, sim, mas com vigilância. O Estado deve manter a sua laicidade, sim, mas não ser cego perante movimentos religiosos com ambições políticas e ideológicas. A soberania cultural, espiritual e social do nosso país não pode ser negociada em nome de uma tolerância que só vai numa direcção.

O islamismo radical não pede espaço — ele ocupa. Não quer coexistir — quer converter. E onde entra, mina lentamente os fundamentos da liberdade.
Um bem haja a André Ventura...

Por Artur Cussendala - Um 'ateu preguiçoso' ou melhor - um Agnóstico.

segunda-feira, 30 de junho de 2025

 

🎙️A geração da pressa tomou conta da mídia estatal… e a qualidade foi-se.

Ultimamente tenho prestado atenção aos escritos de Carlos Alberto (AC) - O tal jornalista-recluso e pós-graduado em retrocesso mental 🫣- que constantemente reclama da qualidade linguística de alguns jornalistas.

‎O CA tem razão em reclamar mas tem uma explicação para o fenômeno. Tudo começou com os processos de mudança geracional na mídia estatal que foi mal conduzido. Reformaram às pressas os profissionais mais experientes, muitos ainda produtivos e puseram no lugar jovens sem preparação adequada. Resultado? A qualidade despencou.
‎Hoje, os "reformados" brilham na mídia privada, enquanto a estatal afunda em erros básicos, notícias mal apuradas e análises rasas. O que deveria ser renovação virou desorganização.
‎E o problema não foi só na mídia. A mesma receita desastrosa aplicou-se na saúde, na educação, na administração pública. Saiu a experiência, ficou o improviso.
‎Rejuvenescer instituições é necessário, sim. Mas sem formação, sem transição, sem mentoria? É suicídio institucional.
🚨 Angola está a pagar caro por uma reforma feita à pressa.
Imagem de fundo - o Jornalista Carlos Alberto

 NASCI NO PAÍS ERRADO?

Angola é um verdadeiro caso de estudo — não pelo que faz de certo, mas pelo absurdo que se tornou a sua gestão pública. Os salários continuam entre os mais baixos da região e permanecem congelados há anos, enquanto o custo de vida sobe vertiginosamente. Os preços dos serviços públicos aumentam, as taxas e impostos não param de subir, o combustível e o transporte tornam-se cada vez mais inacessíveis, e os alimentos estão a preços proibitivos.
Hoje, quem fazia três refeições por dia já se contenta com duas; quem fazia duas, sobrevive com uma; e quem já vivia com uma refeição diária, agora disputa restos com ratos e baratas nos contentores do lixo.
Enquanto isso, o governo vangloria-se de ter tudo "sob controlo", a oposição finge que não vê — desde que os seus privilégios no Parlamento não sejam ameaçados. A sociedade civil foi silenciada ou caiu em letargia, e os jornalistas, que deveriam ser o quarto poder, tornaram-se cães que ladram mas não mordem, corruptos, domesticados e subordinados.
O que está errado em Angola é o modelo de governação, as prioridades políticas, e a falta de responsabilidade. O que falta é uma elite comprometida com o país real, não apenas com o país dos salões de conferência e dos relatórios manipulados.
Reverter este cenário requer mais do que boas intenções. Exige reforma profunda, redistribuição de prioridades, e sobretudo, coragem política. Até lá, Angola continuará a ser um estudo de caso, não de sucesso, mas de como não se deve governar um país.

sábado, 28 de junho de 2025

Identidade, Poder e Instrumentalização: As Origens Políticas Ambíguas na Luta de Libertação de Angola

A luta de libertação nacional em Angola é frequentemente retratada como uma epopeia de unidade e resistência ao colonialismo português. No entanto, uma análise mais atenta revela contradições identitárias, interferências externas e rearranjos estratégicos que ajudaram a moldar o percurso de movimentos como a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA).

1. A Ascensão Ambígua de Holden Roberto
Contrariamente à imagem projetada durante a luta, Holden Álvaro Roberto não nasceu em território angolano. Era filho de um missionário baptista da África Ocidental, cuja inserção no contexto angolano se deu por via matrimonial: o pai de Holden casou-se com uma filha de Sidney Manuel Ventura Barros Necaca, destacado nacionalista e missionário protestante de origem angolana. Assim, Holden tornou-se enteado da filha de Necaca e neto por afinidade, o que lhe conferiu laços simbólicos e políticos com o nacionalismo angolano¹.
A influência das igrejas protestantes foi decisiva no norte de Angola, especialmente entre as comunidades do Uíge e Zaire. A associação de Holden à família Necaca ofereceu-lhe legitimidade e acesso aos círculos nacionalistas, fortalecendo sua presença política na diáspora e, mais tarde, na frente diplomática da FNLA.

2. Mobutu e o Redesenho Estratégico da FNLA
Mobutu Sese Seko, presidente do então Zaire, teria origens paternas angolanas, especificamente na província do Zaire. Crescido em Léopoldville (actual Kinshasa), teria acompanhado seus pais como refugiados. Esse dado, embora ausente de muitos registos oficiais, é sustentado por fontes orais e por análises políticas da sua intervenção activa nos assuntos angolanos².
A relação entre Mobutu e Holden Roberto foi mais do que diplomática: foi estratégica. Mobutu via em Holden alguém capaz de representar, em língua portuguesa, os interesses da FNLA e, ao mesmo tempo, servir de aliado regional. Isso levou à substituição de Johnny Eduardo Pinnock, angolano de nascimento e fundador da FNLA, mas radicado no Congo desde a infância e com pouca fluência em português.

3. O Esquecido Johnny Pinnock
Johnny Pinnock, verdadeiro fundador da FNLA, é hoje uma figura pouco lembrada. Apesar de angolano, sua trajetória no Congo e o afastamento linguístico do português prejudicaram sua visibilidade. No contexto da Guerra Fria, em que o domínio da comunicação política era vital, a ausência de fluência linguística tornou-se uma barreira insuperável. Mobutu, consciente disso, promoveu Holden Roberto ao posto de rosto público da FNLA³.

4. Conclusão: Lideranças Fabricadas e Identidades Flexíveis
O caso de Holden Roberto, instrumentalizado por Mobutu; de Pinnock, marginalizado por motivos linguísticos; e de Necaca, como elo familiar legitimador, revela como a luta de libertação angolana não foi apenas movida por ideais, mas também por relações estratégicas, alianças familiares e conveniências políticas.
Entender essas complexidades é essencial para uma leitura crítica da história de Angola. A independência foi conquistada não apenas por angolanos natos, mas também por figuras que, embora exteriores ao território, foram moldadas por interesses geopolíticos, missões religiosas e interferências externas — e que, em muitos casos, redefiniram o curso da história nacional.
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Notas de Rodapé
1. Necaca, Sidney Manuel Ventura Barros: Importante figura do nacionalismo cristão angolano. Sobre sua influência no meio protestante e político, ver: Miller, J. (1993). "Kings and Kinsmen: Early Missionary Influence on Politics in Angola", University of Wisconsin Press.
2. Sobre as origens de Mobutu e sua relação com Angola, consultar: Nzongola-Ntalaja, G. (2002). “The Congo: From Leopold to Kabila: A People's History”, Zed Books.
3. A marginalização de Johnny Pinnock é referida em fontes não oficiais e entrevistas orais preservadas por antigos membros da diáspora angolana no Congo Belga. Para um tratamento preliminar, ver: Iko Carreira, H. (1982). “Memórias: Participação nas lutas de libertação”.

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quinta-feira, 26 de junho de 2025

 Israel vs Irão: Quando a retórica se confronta com a realidade

Por mais que se tente moldar a narrativa internacional principalmente no ocidente, há momentos em que os factos falam mais alto do que qualquer propaganda. Um desses momentos acaba de acontecer no confronto entre Israel e o Irão. Contrariando o que muitos esperavam, foi Israel e não Teerão, quem recorreu aos bons ofícios de Donald Trump para pressionar por um cessar-fogo. A razão? Uma guerra mal planeada, um inimigo subestimado e um sistema de defesa que começava a mostrar sinais de fadiga.
Nos últimos dias, o mundo assistiu em directo e apesar da censura, à surpreendente dificuldade das Forças de Defesa de Israel em abater mísseis iranianos. Este fracasso operacional pode ser explicado por três factores inquietantes: o salto qualitativo da tecnologia militar iraniana empregue nos seus mísseis e drones, uma eventual escassez de mísseis antiaéreos disponíveis em Israel, ou, e aqui reside o ponto mais sensível — o custo insustentável de manter uma guerra prolongada contra um adversário que se preparou para resistir e contra-atacar.
Durante décadas, Tel Aviv habituou-se a controlar o ritmo dos conflitos no Médio Oriente, confiando numa superioridade militar amplamente reconhecida. Mas desta vez, o Irão demonstrou não apenas capacidade de resposta, como também resiliência estratégica. E isso mudou o jogo.
O apelo a Washington para entrar no conflito e por mediação revela mais do que uma quebra de iniciativa: é um reconhecimento tácito de que o conflito saiu do controlo. A tradicional imagem de Israel como potência militar inabalável está a ser posta à prova por um Irão que, apesar das sanções, isolamentos e ameaças, mostrou que sabe jogar no mesmo tabuleiro e com peças próprias.
É evidente que uma guerra total entre estas duas potências traria consequências devastadoras para toda a região. Mas é igualmente evidente que Israel saiu deste episódio com a sua aura de invulnerabilidade visivelmente abalada. A retórica da força encontra finalmente um adversário com músculo, método e coragem para responder. E quando isso acontece, o silêncio que se segue aos pedidos de cessar-fogo diz mais do que qualquer comunicado oficial.

NOTA: podes encontrar este texto no meu perfil de facebook - https://www.facebook.com/photo/?fbid=10235451613849507&set=a.2618406417914&__cft__[0]=AZWESvADmO2MQnBKXnF7m1sDv4_qZmsRKExSzJNhVBtAty7ZDi74gobAfTE5vHJl4aN1Z1cowWoJEyGixmF84Ox_7SzK6K5K9pGzBJEyeko5eQwOfpOIZhsW8az67IgTrHprt_L1qxAa6E8FG-dr1TwBgxzDYixU-YLqj9ktCXEG6w&__tn__=EH-R

quarta-feira, 25 de junho de 2025

Europa de joelhos na OTAN: submissão ou medo disfarçado?

A recente cimeira da OTAN, que segui com bastante atenção desde que cheguei da agência da ENDE, foi tudo, menos diplomática. Donald Trump, com o estilo que o caracteriza, exigiu dos aliados europeus e do Canadá, o aumento imediato dos seus orçamentos de DEFESA para 5% do PIB de cada membro da aliança. Até aqui, nada de novo. Mas impôs uma condição clara: os gastos devem ser feitos exclusivamente com a indústria militar dos Estados Unidos.
Quando eu pensava que Macron ou o chanceler alemão Friedrich Merz fossem tesos, enganei-me completamente. E o que fizeram os líderes europeus? Acenaram em silêncio, concordando com tudo, como se estivessem a agradecer por um favor.
Todos... menos a Espanha. Esta ousou demonstrar alguma autonomia, sendo de imediato ameaçada com sanções e aumento de tarifas comerciais.
O que se passou foi mais do que uma reunião de aliados. Foi um espetáculo de submissão colectiva.
Resta perguntar: será realmente o medo da Rússia que justifica tanta humilhação? Ou a Europa já não sabe como sobreviver sem o guarda-chuva nuclear americano?
Custa admitir, mas parece que, para muitos líderes europeus, a soberania já não passa de um detalhe secundário diante dos caprichos de Washington.
E nós, cidadãos do Sul Global, ficamos a assistir, entre o espanto e a vergonha alheia.
No final, quem realmente lidera a OTAN? Bruxelas ou Washington? E quem é o protegido e quem é o vassalo?

  O GASÓLEO SUBIU NA CALADA DA NOITE A 400 CONTOS O LITRO. Noutras paragens, pequenas alterações nos preços de bens essenciais bastam para i...