Luís Costa ex-líder da FLEC |
Luís
António da Costa escolheu ser “Futuro”. Era esse o seu nome de guerra na FLEC,
onde desempenhou o cargo de ministro da Saúde. É um veterano da organização:
“tinha apenas 19 anos quando fui incorporado, no Baixo Congo, aldeia de Tombo
Yanga, distrito do Tshela, em Janeiro de 1976. Nasci em Março de 1957, no Buco
Zau. É só fazer as contas aos anos que militei na organização”. Regressou a
casa em Agosto de 2011. Só agora, tantos anos volvidos, “a palavra futuro
começa a fazer sentido na minha vida. Mas como eu, há milhares de vítimas dos
que não têm limites para as suas ambições. O futuro, afinal, está aqui, nesta
grande Angola, que recebe todos os seus filhos de braços abertos”.
Jornal de Angola - Como aconteceu a sua ida para a FLEC?
Luís António da Costa - Como tantos jovens da minha geração, fui para a FLEC porque nos diziam que o petróleo era de Cabinda e devíamos exigir a independência para sermos todos ricos. Quem levantava dúvidas, eles diziam que tinham o apoio das grandes potências mundiais e dos países vizinhos. Se acenam a um jovem com riqueza, ele vai logo. Mas quando cheguei a Tombo Yanga encontrei tanta pobreza que pensei logo em voltar para casa. Mas os agentes da segurança, são implacáveis. Quem entra ali dificilmente volta a sair. Esta é a grande verdade.
JA - São tratados como prisioneiros da organização?
Jornal de Angola - Como aconteceu a sua ida para a FLEC?
Luís António da Costa - Como tantos jovens da minha geração, fui para a FLEC porque nos diziam que o petróleo era de Cabinda e devíamos exigir a independência para sermos todos ricos. Quem levantava dúvidas, eles diziam que tinham o apoio das grandes potências mundiais e dos países vizinhos. Se acenam a um jovem com riqueza, ele vai logo. Mas quando cheguei a Tombo Yanga encontrei tanta pobreza que pensei logo em voltar para casa. Mas os agentes da segurança, são implacáveis. Quem entra ali dificilmente volta a sair. Esta é a grande verdade.
JA - São tratados como prisioneiros da organização?
LAC - Pior. São tratados como propriedade da FLEC. Eu sou enfermeiro. Aprendi na escola a tratar todos os seres humanos em sofrimento, com toda a atenção e carinho. Mas nos centros de refugiados ou nas bases da FLEC não há carinho nem compaixão com ninguém e muito menos com os doentes, que são simplesmente abandonados. Aproveito esta oportunidade para pedir às organizações de defesa dos Direitos Humanos que ajudem aquelas pessoas, porque estão em grande sofrimento. O apelo é dirigido especialmente à Cruz Vermelha Internacional, uma organização que muito respeito. E peço aos elementos da segurança dos Congos e da FLEC que deixem sair quem quiser. As autoridades angolanas estão de braços abertos à espera deles.
JA - Onde fez o curso superior de enfermagem?
LAC - Fiz o curso médio na Missão Católica de Kuimba e o curso superior no Instituto de Saúde de Kinshasa. Foi devido à minha formação que fui nomeado ministro da Saúde do governo no exílio. Eu era da direcção da FLEC.
JA - Sendo um humanista, como se sentia numa organização que atacou a caravana desportiva do Togo e os jornalistas que a acompanhavam?
LAC - É preciso dizer a verdade. Os combatentes e dirigentes ficaram muito divididos por causa desse acto que eu considero terrorista. Foi a partir daí que a FLEC se dividiu. Hoje há a FLEC do Interior-Europa, a África, a do Norte, a do Sul, a dos Intelectuais, também chamada de “mpalabandistas”. Dentro das minhas possibilidades, mas não estive só nessa posição, influenciei a declaração de tréguas do presidente Alexandre Tati. Foi uma medida que eu considero verdadeiramente revolucionária. Daqui envio um apelo ao presidente Alexandre Tati: não se deixe levar pela voz dos oportunistas e mantenha a trégua.
JA - Não teme ser declarado traidor?
LAC - Traidores são os que comem o dinheiro que pedem para a revolução. Eu só temo pelas vidas de centenas de pessoas da FLEC que estão nos centros e bases dos Congos, num sofrimento que ninguém imagina. Entrei na FLEC com 19 anos e quando saí, há alguns meses, já tinha netos. Estive sempre nas matas. Passei fome e desafiei o perigo. Salvei vidas humanas. Traidores são os que fizeram da nossa luta um negócio asqueroso. Os que nos empurram para a morte, porque querem continuar a ganhar dinheiro à custa daquilo a que chamam a revolução cabindesa. Deviam chamar-lhe a revolução do dinheiro! É apenas isso que os move. São revolucionários de conta bancária e intelectuais da extorsão, do roubo e da aldrabice.
JA - Tem provas dessas acusações que faz?
LAC - Não gostava de entrar nesse campo, agora o mais importante é exigir que a comunidade internacional, as organizações dos Direitos Humanos, salvem centenas de pessoas daqueles campos de concentração onde estão a sofrer e sempre sob ameaça dos seguranças. Ali ninguém pode dizer, nem aos familiares, que vai fugir e regressar a casa. Muitos perderam a vida só porque manifestaram vontade de regressar a Angola. Aqueles seres humanos não têm comida, não têm medicamentos nem roupa: só fome, doença e nudez. Mas em Cabinda há alguns senhores, ditos intelectuais revolucionários, que sacam dinheiro aos empresários em nome da FLEC. Muitos trabalhadores do Malongo tiram dos seus salários 100 ou 200 dólares para a revolução. Mas nada chega às matas.
JA - Insisto, tem provas do que está a afirmar?
LAC - Prometi falar de tudo nesta entrevista e para honrar o meu compromisso vou dar um exemplo. A direcção da FLEC foi presa em Kinshasa. Falo de um acontecimento muito estranho, que um dia tem de ser esclarecido. Eu tinha acabado o curso superior de enfermagem e dirigia-me a um cyber-café para fazer pesquisas na Internet, porque estava a preparar a tese. No caminho recebi um telefonema de José Manuel Vaz, membro do bureau político da FLEC. Disse que a direcção ia reunir de urgência, para tratar de um assunto muito grave. Mandou-me ir para a Rua Shaba, na zona Kasavubu.
JA - O que tem isso a ver com desvio de dinheiro?
LAC - Tem a ver com traição e desvio de dinheiro. Na Rua Shaba liguei para José Manuel Vaz e ele disse que devia entrar num bar dessa rua, porque já estavam todos à minha espera. Entrei e, de facto, já lá estavam Alexandre Tati, nessa altura vice-presidente da FLEC, Estanislau Miguel Boma “Aparência”, o ministro da Defesa e chefe do Estado-Maior General, Carlos António Moisés “Rótula”. Ministro do Interior e chefe da segurança, Alfredo Buanje “Aimé”, chefe das comunicações, Cristóvão Honório Mabiala “Crisse”, José Simba Mabiala, conselheiro do presidente Nzita Tiago e José Manuel Vaz. Eu já era o ministro da Saúde.
JA - Eram os mais altos dirigentes da vossa ala?
LAC - Aqui não há alas. Estamos em Agosto de 2009, só existia uma FLEC. Éramos os mais altos dirigentes da organização. Só faltava Nzita Tiago, que vive em Paris. Fiquei muito admirado por terem escolhido um local daqueles, num bairro movimentado. Juntar ali dirigentes como Alexandre Tati ou Estanislau Boma, parecia-me uma autêntica loucura. E tinha razão para os meus receios. Cerca de 20 minutos depois de começar a reunião, entrou no bar uma mulher que olhava para todos os lados, como que a ver se localizava alguém que procurava. Dei o alerta. Mas não fui ouvido.
JA - Porque desconfiou da mulher que entrou no bar?
LAC - Porque senti que ela entrou ali para confirmar a nossa presença. Houve uma breve discussão, eu e o Boma propusemos o fim da reunião mas a maioria venceu e continuámos. Nem cinco minutos depois a polícia entrou no bar de rompante. Os agentes estavam armados até aos dentes e mandaram-nos pôr as mãos no ar. O Boma disse-me que era melhor fugirmos porque eles não iam disparar num sítio cheio de civis. Mas mal ele disse isto, um agente mandou toda a gente para um canto. Ele percebia português. Fomos para a prisão de Kasavubu e cada um ficou na sua cela, excepto José Manuel Vaz, que ficou com os agentes.
JA - está a levantar suspeitas sobre esse membro do bureau político da FLEC?
LAC - Estou apenas a contar os factos. Mas digo já que alguém nos atraiu para aquela reunião. Houve ali dedo de um traidor ou de vários. Quero esclarecer que, para mim, o José Manuel Vaz teve um tratamento especial porque era o único que tinha os papéis em ordem. Acho que eles pensaram que se tratava do chefe do grupo. Teve direito a ficar no pátio da prisão. E ele conseguiu negociar com o dirigente da polícia a nossa libertação. Mas tínhamos que pagar cinco mil dólares. O Boma e o Rótula mandaram imediatamente contactar um cunhado do “Aimé”, congolês. Deram-lhe os contactos do Belchior Tati e do padre Congo, para eles mandarem o dinheiro.
JA - E eles mandaram os cinco mil dólares?
LAC – Sim, mandaram. E graças a esse dinheiro fomos todos libertados. Algum tempo depois, já em Ponta Negra, soube que Belchior Tati e o padre Congo puseram a circular na cidade de Cabinda que a direcção da FLEC estava presa em Kinshasa e era necessário dinheiro para nos resgatar, caso contrário era o fim da revolução cabindesa. Soubemos que um só empresário de Cabinda deu dez mil dólares. Outros deram à medida da dimensão dos seus negócios, mas todos entre mil e dez mil dólares. No Malongo também foi colectado muito dinheiro. Somando as empresas e os trabalhadores, eles devem ter recolhido mais de 100 mil dólares. Mas apenas nos mandaram cinco mil pelo cunhado do “Aimé”.
JA -Questionaram Belchior Tati e o padre Congo sobre o dinheiro em falta?
LAC - Eu exigi explicações mas Alexandre Tati disse que ia esclarecer o assunto pessoalmente. Nunca mais falei disso com ninguém. Falta dizer que os mil dólares que sobraram foram distribuídos em partes iguais por todos. Como a polícia congolesa nos confiscou os telemóveis, com a minha parte comprei um novo aparelho. Deixo aos leitores estes factos. Cada um que tire as suas conclusões.
JA - Agora que está em Cabinda, já falou com esses seus antigos companheiros?
LAC - Eu estou disposto a falar com toda a gente, até porque em dois ou três dias mandaram-nos os cinco mil dólares. Devo-lhes ter saído da prisão. Mas eles consideram-me inimigo, porque optei pela paz, pelo diálogo e pela revolução da verdade. Eu sei que as nossas verdades são perigosas, põem em risco os seus negócios. Mas entre os negócios dos chamados intelectuais de Cabinda e as vidas dos que sofrem nos centros de refugiados nos Congos eu estou do lado dos sofredores. Os ricos não precisam mais de mim.
JA - Quem são os ricos?
LAC - Toda a gente os conhece em Cabinda. Eles são da FLEC, do BAI, do BPC. Militam em todas essas causas lucrativas. Excepto o Raul Danda, que além dessas, ainda tem a ELF e a UNITA. Quanto mais o povo sofre, mais eles prosperam. Não contem comigo para isso. Já chega de miséria moral. É esta a mensagem que deixo ao Ivo Macaia, ao Polaco, ao padre Danda e a todos os outros. E faço-lhes um apelo: não lancem mais achas para a guerra. Mas se são assim tão guerreiros, apresentem-se sem documentos nem dinheiro, nas matas. Defender a guerra de barriga cheia e as contas bancárias milionárias, é muito fácil.
JA - O que faz agora?
Fonte: JA