domingo, 28 de maio de 2017

COMO SE MATA UM GENERAL - revista Única

O que é mais triste na crise social-económica que hoje os Angolanos sentem no osso, e criou ressentimento num número considerável de Angolanos, é que muitos e, neste caso, a geração mais jovem, têm sido enganados ou simplesmente não têm ideia da história recente e abraçaram assassinos impenitentes como os futuros líderes do nosso país. É uma repetição trágica que já aconteceu em alguns países Africanos e os resultados foram horríveis!!
Há um ditado que diz, "Um errado não pode corrigir ou substituir outro." Certamente, se alguns Angolanos acreditam que o actual governo fracassou, seria trágico que todo o país voltasse para atrás depois dos avanços positivos que tivemos desde 2002 e substituíssemos este governo por Assassinos profissionais que se orgulham do esquartejamento de bebês, crianças, mulheres e idosos com prazer em nome do Poder Político. Há tantos outros Angolanos que certamente podem fazer o que esse governo falhou. Há centenas de políticos e milhares de quadros Angolanos capazes e qualificados que podem fazer melhor do que um bando de Assassinos orgulhosos sem nenhuma gota de remorso nas suas veias!!
Finalmente consegui ler bem o artigo na Revista "ÚNICA do Expresso nº 1600 de 28 de Junho de 2003 com o depoimento honesto vindo dos corações machucados das irmãs do General Altino "Bock" Sapalalo. Quem não conhece ou respeito do passado muito recente, acaba no inferno quando já tarde para se safar!!

Aqui segue o depoimento:


"A morte do Gen “Bock” Esquartejado

A Jamba da era Savimbi não foi o paraíso na Terra que muitos fizeram crer. Nos territórios da UNITA reinava a intriga, a perseguição arbitrária, a tortura e a morte. Famílias inteiras foram dizimadas nestes tempos de cólera!
Pela primeira vez na sua história, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) organizou um congresso fora das matas outrora controladas pelos seus guerrilheiros. Para escolher o sucessor de Jonas Savimbi, o movimento do Galo Negro optou pelo voto secreto, facto inédito, quer na organização, quer na vida partidária angolana. Mas o que milhares de famílias destroçadas querem saber é se será posto um ponto final ao regime de terror a que foram submetidas durante a liderança de Savimbi.
Há demasiado sangue derramado no percurso do fundador e ex-presidente da UNITA. E não são para aqui chamados os inimigos declarados, os militantes do MPLA. Falamos é dos seus próprios companheiros de décadas de guerrilha, muitos dos quais ocupando lugares de destaque na hierarquia do movimento, que não escaparam ao despotismo com requintes de malvadez e ao clima de suspeição, intriga e vingança que foi minando aos poucos o partido e acabaria por ditar o fim trágico de Savimbi, a 22 de Fevereiro de 2002.
A pretexto de alegadas traições famílias inteiras foram dizimadas, como os Chingunji (Dinho Chingunji, um dos candidatos à liderança da UNITA, é um dos poucos sobreviventes do massacre que ocorreu em 1990), outros foram perseguidos e torturados até à morte, como o general Sapalalo «Bock», muitas mulheres foram queimadas vivas nas fogueiras apenas porque se tinham recusado «servir os soldados» (leia-se, prostituir-se) e nem os seus maridos e filhos foram poupados à fúria sanguinária de Savimbi.
Prisões domiciliárias ou efectivas — muitas vezes em subterrâneos insalubres — e violações eram o pão nosso de cada dia dos que viviam nos territórios dominados pela organização do Galo Negro.
Anabela e Alice Sapalalo, militantes da organização desde muito jovens, actualmente a viver em Portugal, não pedem muito: querem saber onde estão os restos mortais do seu irmão, o general Altino Bango Sapalalo «Bock» — chefe de Estado Maior das Forças Armadas de Libertação de Angola (FALA), braço armado da UNITA — para poderem chorar em paz. Caído p ara em desgraça junto dos eleitos de Savimbi em 1996, «Bock» foi vítima de «perseguições insustentáveis» durante quatro anos, após o que seria espancado até à morte e esquartejado.
Bela Malaquias, outra apoiante do movimento que sofreu na pele a prepotência do «negro mais negro de Angola» (como Savimbi gostava de se intitular), tem razões para desconfiar dos seguidores do falecido líder da UNITA. A jornalista da Rádio Voz do Galo Negro (Vorgan) foi raptada por elementos das FALA e sequestrada na Jamba por alegada conspiração durante o processo eleitoral de 1992. Mantida em cativeiro durante meses a fio, seria mais tarde libertada graças às pressões internacionais desencadeadas pelo Pen American Center. Outros familiares seus não tiveram igual sorte, e foram executados sumariamente a mando de Savimbi.
Até os mais encarniçados defensores da UNITA e do seu antigo líder reconhecem, agora, as suas tendências assassinas. Maria Antónia Palla, membro destacado do «lobby> português pró-UNITA e autora do livro Savimbi– Um Sonho Africano, editado na passagem do primeiro aniversário da morte do guerrilheiro angolano, admite que «há razões para crer em algumas das acusações de violência e de atropelo aos mais elementares direitos humanos que são atribuídos a Jonas Savimbi». A par dos muitos elogios tecidos ao líder africano, Palla escreve: «Existiria, certamente, um lado mais sombrio da Jamba a que não tivemos acesso. As leis da guerrilha são rigorosas. A tradição africana admite actos de violência que a nossa cultura condena. O respeito pelos direitos humanos dificilmente se concilia com uma sociedade concentracionária, gerida por um poder necessariamente forte».

A ARMA DA PROPAGANDA

Jaime Nogueira Pinto, autor do editorial do livro de propaganda da UNITA, Jamba, Capital da Liberdade, não teve dúvidas em afirmar que a Jamba não se limitava a ser um cenário propagandístico para ocidental ver: «Os que conhecemos a história de Savimbi e da UNITA acreditamos que não é cenário e compreendemos bem que esta seja a capital da liberdade em África». Após a morte de Savimbi, emendaria a mão, reconhecendo -o capaz de «uma disciplina de ferro, cujas consequências também caíram sobre inocentes ».
O fundador do movimento do Galo Negro teve os seus momentos de glória. Enquanto intrépido guerrilheiro que conseguiu dominar uma parte considerável do território angolano, com o apoio de diversos países africanos (entre os quais a África do Sul do «apartheid»), da França e dos Estados Unidos da América, foi apelidado «freedom fighter» (combatente da liberdade) por Ronald Reagan e recebido por George Bush (pai), Jacques Chirac, Mário Soares e Nelson Mandela. Mais as eleições presidenciais de 1992, cujos resultados se recusou a aceitar, precipitaram a sua queda. Bill Clinton condenou a sua actuação e Savimbi transformou-se num ápice, aos olhos do mundo, no inimigo da paz em Angola e votado ao ostracismo. Maria Palla alega que «foi alvo de uma das mais gigantescas e ardilosas campanhas de intoxicação e calúnia de que há memória na História da África contemporânea». O tempo o dirá.

0 PREÇO DA LIBERDADE

Três anos volvidos sobre a morte de Sapalalo «Bock», as suas irmãs Anabela e Alice ainda esperam por uma explicação oficial por parte do movimento do Galo Negro. Em 1979, então crianças, acompanharam os pais na longa travessia ao encontro da direcção do partido, nessa altura instalada no Cuando-Cubango. Anabela, que agora tem 33 anos, era uma criança quando chegou à Jamba, local onde foi construído o quartel-general do movimento. «Lembro-me de disputarmos o território com os elefantes e os leões. Nos últimos anos (ela veio para Portugal em 1989), já tinha ruas, avenidas — à sua maneira —electricidade, água canalizada em alguns locais, jardins de infância, escolas, hospitais». Além das actividades escolares, os mais novos eram integrados na Alvorada, uma organização destinada a sensibilizá-los para a causa da libertação do país. Aos 14,15 anos passavam para a Juventude Unida da Resistência de Angola (JURA), com missões marcadamente políticas. Anabela Sapalalo deixou-se influenciar pelos dotes de oratória de Savimbi: «Era um líder incontestável. Conseguia galvanizar as massas, especialmente os menos cultos e os que não tinham experiência de viver em sociedades democráticas».
«`Bock' afrontou Savimbi. A resposta à dissidência
foi um crime meticulosamente preparado»
Como outros jovens, «que tinham merecido continuar os estudos », Anabela e Alice foram enviadas para Portugal: «Nos anos 8o e 90 Savimbi deu grande importância a este movimento de formação. Aproximavam-se as eleições presidenciais, sentia-se que a UNITA estava a crescer e era preciso preparar quadros para a hipótese de se chegar ao poder», explica Alice, actualmente com 38 anos. As irmãs Sapalalo deixaram a Jamba, mas mantiveram o contacto com os muitos familiares que por lá ficaram. À distancia, acompanharam o longo calvário do general «Bock». As perseguições, contam-nos, começaram em 1996: «Entre Setembro e Novembro, o nosso irmão e toda a família foram colocados em prisão domiciliária. Nem as crianças foram poupadas». Razões? «Pura intriga», garantem.

EMBOSCADA A «BOCK»

Anabela, que viajou para Angola no final de 1997, não tem dúvidas quando afirma que a vida «se tornou insustentável» no Andulo e no Bailundo. Discutia-se se a UNITA devia voltar aos combates. «Bock», como grande parte da classe militar, não queria a guerra. «Vai ser o fim da UNITA, nós não temos capacidade militar para aguentar uma guerra convencional», alegavam eles, como testemunhou a irmã do general. «O nosso ir mão afrontou Savimbi neste ponto particular. A resposta a esta dissidência foi um crime preparado meticulosamente a uma longa distância». Apresentam factos: sendo a guerra um dado adquirido, «Bock», na qualidade de chefe de Estado Maior das FALA, avança com as suas tropas. «Ele conseguiu ganhar o Bailundo, o general João de Matos (responsável máximo das forças militares governamentais) poderá confirmá-lo. Avança então para o Bié, entra naquele território e pede reforços. O apoio da retaguarda demorou 12 horas a chegar. Foi fatal». Anabela Sapalalo não tem papas na língua: «Alguém que está vivo em Luanda, com alta patente militar, preparou esta emboscada ao nosso irmão. Resultado: morreram mais de 300 homens, destruíram-se os poucos tanques inteligentes que a UNITA dispunha, e `Bock' saiu do campo de batalha directamente para a prisão, acusado de traição. Foi imediatamente despromovido». A mesma mão que fez tardar os reforços ao Bié insinuaria junto de Savimbique «Bock» deveria responder pela derrota: o plano maquiavélico seguia o seu caminho.
Curiosamente, o general parecia adivinhar o que o esperava. Um ano antes, no início de 1998, chegou a ter pronta a carta de demissão de chefe de Estado Maior, para entregar a Savimbi.
Anabela leu-a quando se deslocou a Angola pela última vez. «Escreveu-a para se preservar e à nossa família, mas alguém o convenceu a destruí-la».
«Bock» esteve em prisão efectiva entre Fevereiro e Agosto de 1999. «Sabêmo-lo de fonte segura porque um nosso outro irmão o foi procurar ao Bailundo e não o encontrou.
E depois de sair da cadeia, não podia receber quaisquer visitas ». A sua morte deverá ter ocorrido em 25 de Abril de 2000, tinha então 45 anos.
Elas souberam pouco depois. «A princípio, não acreditámos. Pensámos que era propaganda do MPLA. Sobretudo, custava a crer que depois de ter morto o Tito Chingunji e o Wilson dos Santos (em 1989/90), a UNITA voltasse a incorrer no mesmo erro», diz-nos Anabela. A esperança de que tudo não passasse de contra-informação ganhou consistência em Fevereiro de 2001, quando Savimbi deu uma entrevista à emissora radiofónica Voz da América: «Afirmou taxativamente que `Bock' estava vivo. `Ele me está a escutar, se quiser que me desminta', disse ainda».
Em Outubro do mesmo ano, as Sapalalo receberiam uma mensagem de Savimbi a garantir que o irmão não tinha sido condenado à morte. «Eu tento defender `Bock' lá onde eu posso, mas que nada fique garantido quando o inimigo investe», era o ambíguo recado proveniente de terras angolanas. «Os que conheciam as técnicas de Savimbi disseram-nos logo:`Bock' está morto », lembram.

CHORAR OS MORTOS

Anabela e Alice só obtiveram a confirmação dois meses antes da morte de Savimbi, quando outro irmão, «que também esteve preso, conseguiu escapar e contar o que aconteceu». Elas não querem falar em nomes, mas afiançam que sabem «quem foram as pessoas que participaram no assassinato, os mentores, tudo». Alice espera que «estes dirigentes, quando se cruzarem com cada um dos 11 filhos que o nosso irmão deixou, se lembrem do que fizeram». E faz um pedido especial à classe dirigente da UNITA: «Digam-nos onde estão os restos mortais de `Bock'. Qualquer africano gosta de chorar os seus mortos condignamente. É um direito que nos assiste».
O partido diz-lhes muito pouco: «Sobreviveram os seguidistas, os bajuladores, os que nunca ousaram questionar os métodos sanguinários do líder. Agora sabemos que a presença física de Savimbi cobria a incompetência e a incapacidade de muitos dirigentes que, se perderem o lugar na hierarquia, não sabem fazer mais nada».
No seu apartamento modesto da Amadora fazem questão de frisar que, ao contrário de muitos dirigentes da UNITA, elas não ganharam nada com a guerra. Bem pelo contrário, perderam os pais, o irmão «Bock» e uma irmã que deixa quatro filhos. «Os angolanos não querem guerra: ela destrói, adia destinos, desvia trajectórias, desfaz certezas.
O nosso maior desejo é que Angola se reencontre e que a sua alma se redima».
«Custa a crer que depois de ter morto o Chingunji e
o Wilson a UNITA voltasse a incorrer no mesmo erro»
SENTENÇAS DE MORTE
Quando recebeu o convite para participar no congresso da UNITA, que lhe foi dirigido por Paulo Lukamba «Gato», Bela Malaquias nem queria acreditar. Aquilo era uma provocação: convidada para honrar a memória de Savimbi? Então Lukamba «Gato» não sabia o que representou o líder da organização para ela e para toda a família? Numa carta aberta ao candidato à liderança do partido, a que o EXPRESSO teve acesso, Bela refresca-lhe a memória. «Savimbi perseguiu-me durante 20 anos consecutivos entre desterros, prisões, assédios e todo o tipo de tortura psicológica», refere. Passa aos factos: «Savimbi colocou o meu pai, já de idade avançada, numa cadeia subterrânea durante meses, apenas por ter transmitido aos seus companheiros a notícia, em primeira mão, do atentado de que tinha sido alvo o então Presidente americano Ronald Reagan. Saiu de lá mais morto do que vivo». A lista dos seus parentes que o líder daUNITA terá mandado executar é extensa:
Eduardo Jonatão Chingunji, Violeta Jamba, Tito Chingunji, mulher e filhos, Lena Chingunji, Wilson dos Santos, Dinho Chingunji e Ainda Henda, Alice Chingunji. A mulher de Eugênio Manuvakola — antigo secretário-geral da UNITA que desertou da organização na sequência de todos estes acontecimentos, fundando em Luanda a UNITA-Renovada, entretanto extinta — aproveita o ensejo para relembrar também os macabros rituais de feitiçaria que se realizavam no mato, já denunciados pelo escritor Sousa Jamba. «Foi exactamente a 7 de Setembro de 1983. Arrepio-me e soltam-se-me teimosamente as lágrimas quando passa por mim o filme patético em que a personagem principal, Jonas Malheiro Savimbi, de olhar perverso, boina vermelha, lenço vermelho ao pescoço e pistola na mão, ao bom estilo de um `gangster', comandava, pessoalmente, a horrenda operação de queimar pessoas vivas. Intenção: vergar as mulheres com formação, para que nenhuma ousasse dizer não aos seus caprichos selváticos».
Caso «Gato» tenha esquecido, a nossa interlocutora escreve na carta: «Sou aquela que vocês raptaram em Abril de 1992, aquela a quem o seu irmão Aniceto foi violentar em 13 de Fevereiro de 1995 e enviar, com os filhos, para um prolongado desterro». E, mais à frente: «Lembra-se daquela reunião em que Savimbi tinha ditado a minha sentença de morte? Tenho comigo as centenas de assinaturas de entidades e organizações internacionais que pressionaram Jonas Savimbi a preservar a minha vida», escreve, aconselhando o dirigente a não cair na tentação de «querer confundir os crimes cometidos friamente e com dolo, numa aldeia calma e distante da guerra, como era a Jamba, com os restantes»
.
Em jeito de conclusão, pergunta a «Gato»: «Não acha incongruente falar de pedidos de desculpas pelos erros cometidos e, paralelamente, exaltar a obra causadora de tantos danos ainda por reparar?» É que, ao contrário de Dinho Chingunji, que se tem mostrado muito crítico em relação ao falecido líder, Isaias Samakuva e Lukamba «Gato» (0s dois candidatos com mais hipótese de vencer o Congresso) permanecem fiéis ao fundador da UNITA insistindo mesmo em homenageá-lo durante a reunião cimeira.
Esta ausência de demarcação do percurso e dos métodos de Savimbi por parte dos mais fortes candidatos à sua sucessão gera apreensão em quem, como Bela Malaquias, conheceu o lado obscuro da organização. Contactada pelo Expresso, diz-nos que, mais do que um partido político ou um bando de guerrilheiros, era «uma espécie de Sociedade secreta, com as suas regras e rituais bizarros e monstruosos, uma organização autofágica, que aniquilava os seus membros».
Bela compara a direcção da UNITA à «entourage» de Pol Pot ou de Hitler: «À sua maneira, cada ditador criou à sua volta sociedades muito sui generis», acrescentando que, «como Pol Pot, Savimbi achava que as vidas dos que o cercavam eram pertença sua».
Isto explica que se sentissem «mais ameaçados na sua presença do que com os ataques do MPLA».
«0 PARTIDO ÉRAMOS TODOS»
José Pedro Kachiungo, de 39 anos, membro da direcção da UNITA, é de opinião que «todas as mortes devemser explicadas ». «O partido não era apenas o Dr. Savimbi, éramos todos nós», salienta, acrescentando, contudo, que não se encontrava na Jamba à data da execução de «Bock» ou da família Chingunji. Mas não desmente os assassinatos.
«Savimbi comandou pessoalmente a horrenda
operação de queimar pessoas vivas. Eu estava lá»
Como as irmãs Sapalalo, Kachiungo foi mandado para Portugal para prosseguir os estudos, embora tenha regressado a Angola por várias vezes a mando do líder. Nas eleições de 1992, foi ele o mandatário do Galo Negro em Benguela. Entende que ainda não existe distanciamento suficiente em relação a todos os desmandos do passado para se darem «as explicações que se exigem», mas aponta o dedo a «dirigentes que agora estão em Luanda: alguns deles participaram nas discussões e nas decisões». A seu ver, não há necessidade de uma «caça às bruxas. Emendar um mal com outro mal não é construtivo, o partido já está suficientemente dilacerado». Mas defende que se deve «regressar à História, identificar os erros cometidos e tirar daí as devidas lições. Não podemos construir um país de verdade em cima da mentira e da ocultação».
A instituição de uma cultura e de uma prática democrática no partido, a par da inviabilização da intriga como forma de fazer política, parecem ser os requisitos indispensáveis para um «volte-face» que devolva a credibilidade à UNITA. Mas há quem não acredite em milagres. «A actual classe de dirigentes está desgastada e, sobretudo, viciada. Se não se proceder a uma profunda renovação interna, a UNITA tem os dias contados», considera Alice Sapalalo. Ela perdeu toda a esperança no movimento que ajudou a construir. Bela Malaquias também. Para a antiga jornalista da Vorgan, «os ditadores não se transformam facilmente em democratas». Como sublinha, «as mascotes que o `chefe' escolhia, podendo atenuar certas situações drásticas, não o fizeram. Para preservar o seu lugar na hierarquia ou obter mais uma estrela no ombro, optavam por atiçar o líder contra quem estava na mó de baixo». Bela não fala em nomes: quem quiser que enfie a carapuça!".

Fonte: Associação das vítimas da Jamba in Facebook

terça-feira, 9 de maio de 2017



ELEIÇÕES EM ANGOLA, SETEMBRO 1992

Recomemdamos vivamente a todos aqueles que estejam interessados em conhecer pormenorizadamente o que se passou em Angola depois da independência ler esta excelente obra. Infelizmente nem todos terão facilmente acesso a este livro, e como tem copyright, solicito a indulgência do autor e da editora por esta transcrição cujo tema não encontrei tão claro em parte alguma. Obrigado.

MPLA, mais seguro

(...) Pg.199/208. Duas semanas antes das eleições, esbatera-se acentuadamente a insegurança do MPLA. Para tal, contribuiu a sondagem, por si encomendada à empresa que, tempos antes, realizara o Perfil do Eleitor, atribuindo-lhe maioria absoluta e uma, igualmente, vitoriosa intenção de voto no seu candidato presidencial. O estudo de opinião, não divulgado publicamente, falava de baixas quotas de popularidade da UNITA e de «receios» dos eleitores.
Nos círculos políticos e diplomáticos, especialmente portugueses, espanhóis e brasileiros, comentava-se que o comportamento da UNITA, e a postura e propostas de Jonas Savimbi, haviam afugentado os eleitores, bastando ao MPLA gerir, com eficácia, o que consideravam ser o «discurso da tolerância e da tranquilidade» de Eduardo dos Santos, para não perder as eleições. Aconselhado pelos especialistas brasileiros, o MPLA incluiu, nos últimos tempos de antena, passagens dos discurso de Jonas Savimbi, em que este se mostrava mais agressivo, e, quase sempre, de revólver à cintura, acompanhadas por imagens de guerrilheiros armados e dos numerosos seguranças, contrastando-as com as serenas aparições públicas de Eduardo dos Santos. Os dirigentes da UNITA sorriam e desdenhavam daquela estratégia, comentando que lhes estavam a fazer «propaganda gratuita».
Em sectores da comunidade estrangeira residente, alguns deles verdadeiros fazedores de opinião entre os Angolanos, pensava-se que a UNITA estava a resvalar para a derrota, embora se fosse adiantando que o pleito eleitoral seria muito disputado. Entre a população de Luanda, ganhava corpo a ideia de que o voto, inicialmente favorável à UNITA, para castigar o MPLA, poderia mudar. Posta perante «dois males» (UNITA e MPLA), muita gente dizia-se disposta a escolher o menor deles — o partido no poder — ou a não votar, ficando-se pela abstenção, o que não veio a acontecer, pois 92% dos Angolanos inscritos nos cadernos eleitorais depositaram o voto na urnas.

UNITA, vitória ou fraude

Na mesma altura, a convicção dos simpatizantes da UNITA na vitória não era tão forte como ao princípio. Alguns dirigentes do Galo Negro também assim pensavam, conhecedores que eram de elementos de análise do comportamento dos eleitores, semelhantes aos de que dispunha o adversário. Políticos, diplomatas e homens de negócios, norte-americanos e portugueses, estavam já a aconselhar a UNITA a mudar o comportamento, e o seu presidente a alterar a imagem e a amenizar os discursos.
Jonas Savimbi foi indiferente a tudo e a todos, prosseguindo a marcha para a conquista do poder, como se continuasse na guerrilha, fixando-se à ideia de que os Angolanos escolhê-lo-iam e à UNITA, certamente. Para ele, só assim não seria se as eleições fossem fraudulentas. Tanto o disse, que a asserção passou a verdade, comungada numa liturgia de fidelidades, aceites e forçadas, pela direcção e demais responsáveis.
A 16 de Junho de 1993, o então ministro da Justiça de Angola, Paulo Chipilica (dissidente da UNITA), foi ouvido pela Comissão de Negócios Estrangeiros da Assembleia da República Portuguesa, a propósito do recomeço da guerra no seu país. Disse ele, a dado passo das suas declarações, em arquivo no Parlamento de Lisboa: «O dr. Savimbi nunca soube gerir uma situação de vantagem. Quando foi da outorga dos Acordos de Bicesse, o dr. Savimbi estava com 90% do controlo da situação em Angola. Mesmo os homens do MPLA queriam mudança. Mas depois, disseram: Mas que discurso? E se há alguém que tivesse derrotado, efectivamente, a UNITA, esse alguém foi o dr. Savimbi, que conduziu uma campanha desastrosa, desastradíssima.
Como é que alguém que, na verdade, pretendia ser chefe de Estado, em reuniões, em comícios, etc., veio a dizer que tinha exército? E mais: o povo Angolano realmente rejeitou e arrepiou caminho, quando o dr. Savimbi veio das matas. É que, se soubesse, apenas, gerir o silêncio, ele tinha engolido, um por um, desde o próprio José Eduardo dos Santos até ao cidadão mais anónimo. Mas não, andou mal — e talvez para bem do próprio MPLA! Eu, até cheguei a dizer ao dr. Savimbi: o senhor tem sido o militante número um do próprio MPLA, o senhor só faz o jogo do MPLA.»
Ainda na pré-campanha eleitoral perguntei, algumas vezes, a Abel Chivukuvuku, em muitos dos nossos encontros no Hotel Tivoli, porque não entrava o seu partido na luta política, pondo de lado a postura guerrilheiro-militarista. Chivukuvuku respondia-me que a UNITA não precisava de convencer ninguém, pois o regime do MPLA estava podre e iria cair, ganhando ela as eleições. Só as perderia, se os votos fossem roubados. Falava-me com alguma petulância, mas pouco seguro. As suas palavras pareciam espelhar mais uma verdade imposta do que uma opinião pessoal.
Em Portugal, praticamente desde a assinatura dos Acordos de Bicesse, lobistas da UNITA elaboravam relatórios sobre a imagem do movimento na opinião pública portuguesa, concluindo não será mesma positiva. Obsessivamente, os lobistas, entre os quais Jaime Nogueira Pinto, Carlos Fontoura, Joffre Justino, Norberto de Castro e Rui Oliveira, culpabilizando outros dos seus próprios erros, atribuíam o facto ao que consideravam informação desfavorável dos correspondentes da RTP e da agência de notícias portuguesa LUSA, em Angola, os dois únicos jornalistas portugueses residentes no país. Como resultado disso, Jonas Savimbi fez saber à Administração da LUSA que não queria a correspondente a fazer a cobertura da sua campanha eleitoral. De Lisboa, seguiu outra jornalista para a capital angolana. A RTP enviou também dois. Muitos dos erros cometidos por Savimbi e pela UNITA, na sua relação com os jornalistas, que criaram problemas em empresas como a RTP e alguns embaraços ao Governo português, radicaram em informações erradas dos seus lobistas em Lisboa.

A máquina eleitoral

O dispositivo para as eleições foi eficazmente erguido pela UNAVEM II. Vinte e cinco mil pessoas, angolanas e estrangeiras, participaram nos trabalhos de montagem das mesas de voto. Para as transportar, bem como ao material necessário — mesas, cadeiras, cadernos eleitorais, urnas, boletins de voto, tinta indelével, alimentos, etc. — e aos cerca de 800 observadores internacionais, para e entre as 18 províncias, a missão das Nações Unidas, em Angola, pôs em acção a maior operação aérea jamais organizada de suporte a actos eleitorais supervisionados pela ONU. Para além dos 14 helicópteros e dos dois aviões da UNAVEM II, foi constituída uma frota de 40 helicópteros M-17 e 10 aviões (Antonov-26, Hércules C-130, Beechcraft e King Air), totalmente operada por tripulações russas. Os custos, rondando os 40 milhões de dólares, foram suportados por doadores internacionais.
Acidentes com os helis marcaram, tragicamente, a operação aérea. Em três sábados consecutivos — 12, 19 e 26 de Setembro — aparelhos daqueles, despenharam-se na província do Uíje. No último, morreram onze angolanos, que seguiam para as assembleias de voto e os quatro tripulantes russos. A coincidência dos despenhamentos terem ocorrido na mesma região, de forte implantação da UNITA, levantou suspeições. A UNAVEM II investigou, não tendo detectado qualquer sabotagem aos M-17, ou vestígios de disparos de terra. O princípio aceite, foi a do desconhecimento que as tripulações russas tinham da zona, um terreno de difícil acesso, com grandes montanhas e florestas cerradas, no interior das quais se desenvolvem extensas plantações de café, produto de que Angola, na era colonial, chegou a ser o terceiro exportador mundial.
Para tratamento dos dados recebidos das assembleias de voto, e apuramento dos resultados finais, o Governo montou em Luanda, nas recuperadas instalações do Ministério dos Negócios Estrangeiros, um complexo sistema informático, em que gastou 8 a 10 milhões de dólares, ninguém precisando, ao certo, o custo da operação. Perturbações de natureza diferente das que afectaram a operação aérea ficaram ligadas ao sistema informático. Quando, após as eleições, o mesmo foi desactivado, computadores, impressoras e acessórios desapareceram, perante oficiais surpresas e espanto do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e da Direcção-Geral das Eleições. Mais tarde, alguns dos equipamentos em falta foram vistos à venda, em lojas da especialidade.

Ida a votos

Nos dias 29 e 30 de Setembro de 1992, a República de Angola interditou o seu espaço aéreo a voos internacionais e encerrou as fronteiras terrestres, marítimas e fluviais. De toda a parte desapareceram, quase por completo, as bandeiras dos partidos, substituídas pelas do CNE, com a pomba branca da paz desenhada sobre um fundo azul. Às sete horas da manhã, os Angolanos iniciaram a caminhada para as 5800 secções de voto espalhadas pelo país, exibindo, orgulhosamente, o cartão de eleitor. Delas saíam, mostrando, satisfeitos, o dedo indicador da mão direita, marcado com tinta indelével de cor roxa (um sinal não removível da pele, senão uns dias depois), que funcionava como segurança, impedindo as pessoas de votarem mais do que uma vez.
Oitocentos observadores internacionais, quatrocentos dos quais directamente escolhidos pelas Nações Unidas, e outros tantos por presidências, parlamentos, Governos e organizações especializadas, acompanharam o acto eleitoral.
De Portugal, estiveram delegados de todos os partidos políticos com expressão parlamentar, tendo o Chefe de Estado enviado o embaixador Nunes Barata como seu representante. Outros políticos, homens de negócios e intelectuais de Portugal também foram a Angola, não como observadores, mas como convidados do Governo, da UNITA e do MPLA. O socialista português, João Cravinho, representou o Parlamento Europeu, e a Organização de Unidade Africana mandou 13 elementos, indicados pelos partidos políticos dos países que a integram.
Ultrapassando as previsões mais optimistas, 92% dos eleitores inscritos (4 milhões e 400 mil pessoas) acorreram às urnas. O número surpreendeu, já que se admitia uma taxa de abstenção na casa dos 20% a 30%, próxima das usualmente registadas nas consultas eleitorais em todo o mundo. Aconteceu que os Angolanos se empenharam a fundo, não deixando de exercer o direito soberano de escolha, pelo voto, nas primeiras eleições democráticas da história do país. Com a afluência maciça, deram sinais de quererem ancorar a construção do futuro, na paz e no pluralismo político. A população votou num clima de calma generalizada, só interrompida no dia 30, em Luanda.

Crime no Miramar

No período da consulta popular, a UNITA reforçou consideravelmente, os seus seguranças, no bairro Miramar, em Luanda, à volta da vivenda do seu líder, onde se localizavam, também, as do embaixador português, António Monteiro e de alguns oficiais superiores e membros do Governo, como Armindo Espírito Santo, um dos vice-ministros do Interior, esta última guardada por uma força da Polícia Nacional.
Com o argumento de que a casa de Espírito Santo estaria a ser usada na preparação de um atentado contra Jonas Savimbi, como a UNITA se justificou depois, os guerrilheiros invadiram-na, no dia 30, de manhã, disparando sobre os guardas, e ocupando outras próximas. Um dos polícias pôs-se em fuga, mas foi perseguido e abatido no jardim da residência do embaixador António Monteiro, que tudo testemunhou.
Alertado, desloquei-me a Miramar. O cadáver do polícia assassinado tinha sido removido, mas era visível um charco de sangue sobre a relva. Encontrei o diplomata no jardim, ainda em estado de choque por ter assistido à tragédia sem a poder evitar. Disse-me não ser a primeira vez que ocorriam incidentes provocados pelos guerrilheiros, embora sem a gravidade daquele, e não existirem condições de segurança para ali continuar a viver. Transferiu-se na mesma manhã para o Hotel Império, onde passou a residir.

Fraude, diz Jonas Savimbi

Como previsto na Lei Eleitoral, foi criado o CNE, presidido por um juiz do Tribunal Popular Supremo, e integrando: um magistrado designado pelo Tribunal; cinco cidadãos de reconhecido mérito; o ministro da Administração do Território, o director-geral das Eleições, nomeado pelo Presidente da República após consulta aos partidos políticos; um representante do Conselho Nacional de Imprensa; um delegado de cada um dos partidos, ou coligações concorrentes. Os candidatos presidenciais poderiam ter, cada um deles, um representante, mas só se o desejassem, uma vez que a Lei lhes não impunha qualquer representatividade. Tendo a presidi-lo o juiz António Caetano de Sousa, e como director-geral das Eleições o jurista Onofre dos Santos, o CNE foi empossado a 11 de Maio de 1992. Competia-lhe, nos termos dos Acordos de Bicesse, para além da condução do processo eleitoral, anunciar, a 8 de Outubro do mesmo ano, os resultados das eleições, que só seriam validados e aceites internacionalmente se as Nações Unidas as considerassem livres e justas, o que não aconteceu naquela data.
Vinte e quatro horas depois do encerramento das urnas, a televisão e a rádio começaram a divulgar resultados, obtidos de dados enviados das assembleias de voto para a Rádio Nacional de Angola onde eram tratados por um sofisticado sistema informático ali instalado pelo Governo. Provenientes, sobretudo, da área de Luanda, os primeiros eram esmagadoramente favoráveis ao MPLA. O anúncio dos mesmos, embora como não oficiais, levou simpatizantes do partido a cantarem vitória. Os «media» internacionais, especialmente estações de rádio, como a TSF portuguesa, faziam escuta da rádio angolana, projectando-os para o exterior, dando-os assim a conhecer publicamente, e como parecendo definitivos, à Comunidade Internacional. Principiava a confirmar-se a previsão de que a UNITA perderia, e a comprovar-se de que não aceitaria um desfecho que lhe fosse desfavorável.
A 3 de Outubro, Jonas Savimbi dirigiu uma «Mensagem à Nação», cujo texto, dactilografado em quatro páginas de papel A4, foi distribuído em Luanda. O líder do Galo Negro, dizia, nomeadamente: «Nesta hora grave, apelo a todos os militantes da UNITA para manterem a calma e a serenidade, e cada qual, no seu posto, cumprir as orientações que recebeu. Tenho pena de vos dizer, neste momento, que o MPLA pretende agarrar-se ao poder ilegalmente, com unhas e dentes, roubando urnas, batendo e desviando delegados de listas, pretendendo através da sua Rádio e da sua Televisão, deturpar factos e números. Apelo a toda a população de Angola para se manter serena, apelo a todos os militantes da UNITA para se manterem vigilantes. Como no passado, saberemos na hora devida dar uma resposta adequada às manobras do MPLA-PT.
«O MPLA não está a ganhar, e o MPLA não pode ganhar. Em todas as províncias, quem está à frente, tanto nas legislativas como nas presidenciais, é a UNITA, num reconhecimento nobre e justo para com aqueles que lutaram para a libertação do país. O Conselho Nacional Eleitoral terá de tomar em consideração que todas as suas manobras em números falsificados, todas as suas manobras dos computadores descomandados, tudo isso levará a UNITA a tomar uma posição, posição esta que poderá perturbar profundamente a situação deste país. O CNE é manipulado pelo Futungo, e não somos nós que temos medo do Futungo.
Angolanos, quis fazer esta intervenção para vos garantir que nós temos todos os dados da fraude, da violação, do roubo dos votos, e que os vamos paulatinamente apresentar à opinião pública nacional e internacional, para que quando formos tomar uma posição, o povo esteja completamen-te acordado. Os interesses Angolanos, para nós, passam em primeiro lugar, mais do que qualquer acomodação com as opiniões públicas internacionais, que são opiniões alheias.»

UNITA abandona as FAA. Savimbi sai de Luanda

As palavras do líder da UNITA não acalmaram o povo angolano. Inquietaram-no.
Destruíram as poucas sementes de tolerância e de coabitação pacífica, lançadas até ali.
A Comunidade Internacional interrogou-se sobre os seus verdadeiros propósitos.
A UNAVEM II, participante a fundo no processo eleitoral, foi sacudida por fortes perturbações, não descortinando razões para se falar de fraude. Margaret Anstee, que deveria pronunciar-se sobre a justeza das eleições, receou o pior.
O embaixador António Monteiro considerou a mensagem de Savimbi «uma evidente declaração de guerra».
O presidente do Galo Negro lançara a bomba da fraude eleitoral, deflagrando a crise.
A situação agravou-se, dois dias depois.
A 5 de Outubro, a UNITA convocou uma conferência de Imprensa. Na sua Delegação, em São Paulo, numa sala apinhada de jornalistas, alguns observadores eleitorais e quadros do Movimento, apresentaram-se 11 generais, anunciando a saída de todos os seus homens das FAA. O general «Ben-Ben» leu â declaração, que reproduzo, na íntegra:
"1 — Depois de 16 anos de guerra e de um combate triunfante pela Liberdade e pela Democracia, e depois de termos caucionado os Acordos de Bicesse, pelo que fomos os primeiros a aceitar o cessar-fogo, vista a maneira como se processou o registo eleitoral, o processo eleitoral e finalmente o escrutínio, consideramo-nos traídos por parte do Governo.
2 — A democracia devia permitir a expressão de todos os Angolanos, no exercício do seu direito de cidadãos de escolher livremente o seu partido os seus dirigentes, e o regime que devia conduzir esta pátria, tão martirizada, a uma vida mais feliz, à tranquilidade e à igualdade de oportunidade, sem predominância de castas.
3 — Constatada a burla que defraudou todo o processo democrático que o Povo Angolano ansiava, como soldados da Pátria, e em nome de todos os nossos colegas de armas, generais, oficiais, sargentos e soldados idos das FALA, decidimos, em protesto mais profundo, abandonar as FAA.
4— Não queremos voltar à guerra, porque não temos o direi to de sacrificar mais o Povo Angolano. Mas, para evitar o pior, as Forças Armadas do lado da UNITA nas FAA exigem que três condições sejam cumpridas:
a) Rever ou anular todo o processo eleitoral, que foi manchado por fraudes e violações jamais vistas na história das democracias nascentes.
b) Impor ao CNE que não publique nenhuns resultados do escrutínio, quer provisórios quer definitivos, sem uma decisão sobre a reclamação dos partidos políticos.
c) Tomar em consideração o facto, de que muita população foi intimidada pela Polícia Anti-Motim durante o acto eleitoral.
Estamos prontos a voltar para as FAA desde que uma negociação séria se faça entre o Governo do MPLA, a Direcção da UNITA com toda a oposição genuína, e dela resulte a solução da actual crise nacional. Somos soldados, e só queremos servir a pátria e a democracia verdadeira.
Que os dirigentes e simpatizantes dos partidos de oposição não sejam molestados pelos órgãos repressivos do Governo. Queremos que a democracia vença em Angola.»
O documento estava assinado pelos generais Arlindo Chenda Isaac Pena «Ben-Ben», Domingos Lutock Liahuka, Demóstenes Amos Chilingutila, Abílio Kamalata Numa, Peregrino Isidro Wuambo Chindondo, Andrade Chassungo Santos, Renato Campos Mateus, Zacarias Mundombe, Adriano Makevela Mackenzie, Job Sunguete e Artur Mbumba. Todos eles tinham jurado fidelidade às FAA, oito dias antes. (...)

PROJECTO LIBOLO

Estive em Calulo, Libolo, a terra que me viu nascer, como congressista convidado ao Congresso Internacional Linguístico (20° Conferência Anu...