sábado, 18 de outubro de 2025

 Os Acordos de Alvor, um nado morto da transição angolana


Muitos enaltecem os Acordos de Alvor por simples ignorância histórica ou por conveniência política. Com efeito, os Acordos de Alvor, assinados a 15 de Janeiro de 1975, entre o Governo português e os três principais movimentos de libertação de Angola, a saber: o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), representaram mais um exercício formal de diplomacia do que um verdadeiro compromisso com a unidade nacional.
Ao contrário do que por vezes se afirma, o Acordo de Alvor não consolidou a independência de Angola. Ficou reduzido a um registo histórico de intenções, sem concretização política nem social. A sua fragilidade estava inscrita desde a origem. À mesa de negociações sentaram-se quatro actores: o poder colonial português e os três movimentos de libertação que, meses depois, se envolveriam em confrontos abertos e sangrentos.
A animosidade entre as forças nacionalistas era antiga e insuperável. Desde 1962, o MPLA e a FNLA disputavam influência territorial e reconhecimento político, com a FNLA a controlar o Norte e a interditar a presença do MPLA na zona fronteiriça com o antigo Zaire (actual República Democrática do Congo) e de forma sanguenta. No Leste, a UNITA, então uma força ainda incipiente, mantinha contactos com a PIDE/DGS e beneficiava, em certos momentos, de apoio tácito do sistema colonial, funcionando como instrumento de equilíbrio no tabuleiro político.
Portugal, por sua vez, longe de ser um árbitro neutro, tinha infiltrados nos três movimentos e usava a mesa de Alvor para gerir uma retirada estratégica. A assinatura dos acordos serviu mais para salvaguardar os interesses imediatos de Lisboa e projectar uma imagem de “descolonização exemplar” do que para construir uma base real de coabitação política.
Nenhum dos signatários acreditava verdadeiramente na viabilidade do acordo. Todos possuíam um “plano B” e só assim se explica o recurso a forças estrangeiras nas batalhas antes da independência, uma estratégia alternativa para o controlo do poder no antes e pós-independência. Assim, o fracasso era inevitável. A ruptura deu-se poucos meses depois, quando os três movimentos proclamaram, de forma autónoma e em territórios distintos, as suas próprias independências. Portugal, sem autoridade para gerir a transição e sem presença militar suficiente para garantir a ordem, abandonou precipitadamente o processo, deixando Angola à mercê de uma guerra civil devastadora que só terminou em 2002.
Os Acordos de Alvor enquadram-se, assim, numa longa tradição de tentativas falhadas de pacificação e reconciliação em Angola. Tal como os Acordos de Gbadolite (1989), de Bicesse (1991) ou de Lusaka (1994), Alvor partilhava o mesmo vício de origem: a ausência de confiança entre as partes e a instrumentalização política dos processos de paz.
Por isso, é um erro histórico considerar o Acordo de Alvor como um marco decisivo na consolidação do Estado angolano. Ele foi, na verdade, um nado (nascido) morto, um acto simbólico que antecipou o colapso da convivência política e a eclosão da guerra civil. O verdadeiro ponto de viragem da história contemporânea de Angola só viria quase três décadas depois, com os Acordos de Luena (2002), que finalmente encerraram o conflito armado e inauguraram um período de paz efectiva, ainda que com desafios profundos de reconciliação e coesão nacional. E para lembrar que os acordos do Luena só vincaram porque a paz foi imposta pela força.

 ACORDOS PRÉ-ALVOR

‎Essa é uma parte da história pouco explorada mas fundamental da pré-história dos Acordos de Alvor e relata os encontros nas matas de Angola, realizados ainda sob fogo e clandestinidade, entre 1974 e início de 1975.
‎Esses encontros não constam, na sua maioria, dos registos oficiais portugueses ou das actas de Alvor, mas são muito citados em relatos orais, memórias de guerrilheiros e arquivos militares angolanos. Eram reuniões separadas, de carácter político e militar, conduzidas por comandantes regionais dos movimentos de libertação e nem sempre com a presença dos líderes máximos, para testar alianças, avaliar forças e sondar posições sobre o futuro pós-colonial.
‎Aqui vai um resumo histórico rigoroso do que se sabe sobre esses encontros nas matas, divididos por região e contexto político.
1. As matas do Moxico e Cuando Cubango – contactos entre UNITA e oficiais portugueses
‎Período: Junho a Setembro de 1974
‎Local aproximado: nas matas entre Lumbala Nguimbo, Luso (actual Luena) e Cazombo
‎Protagonistas:
‎Pelo lado português: oficiais da PIDE/DGS e do Comando Militar do Leste, entre eles o coronel Costa Campos
‎Objectivo: negociar um cessar-fogo local e garantir livre circulação das forças da UNITA no Leste após o 25 de Abril.
‎Importância:
‎Estes encontros serviram para a UNITA preservar a sua estrutura militar e consolidar o controlo do planalto central, preparando-se para o pós-colonial.
‎Savimbi sabia que Portugal se retiraria e usou essas conversas para obter armamento e legitimidade junto das autoridades coloniais locais.
‎Resultado:
‎Um acordo tácito de não agressão foi alcançado com os portugueses, o que permitiu à UNITA movimentar-se livremente no Moxico e no Bié até finais de 1974.
2. As matas do Uíge e do ZaireFNLA e comandos portugueses
‎Período: Maio a Agosto de 1974
‎Local: zonas de Maquela do Zombo, Sanza Pombo e Damba
‎Protagonistas:
‎Pela FNLA: comandantes como Pedro Hendrick, Kinkela e Bula Matadi
‎Pelo lado português: oficiais da 1ª Região Militar (Carmona)
‎Objectivo: definir linhas de desmobilização e troca de informações sobre a posição do MPLA e de tropas portuguesas.
‎Importância:
‎A FNLA, com forte apoio do regime de Mobutu e dos EUA, não confiava no MPLA e preferia negociar separadamente com Lisboa.
‎Nesses encontros, ficou acordado que as forças da FNLA poderiam deslocar-se para o interior, o que explica a rápida presença do movimento em Luanda nos primeiros meses de 1975.
‎Resultado:
‎A FNLA conseguiu acesso logístico a várias cidades do Norte e iniciou o transporte de armas vindas do Zaire, com anuência tácita de oficiais portugueses locais.
3. As matas do Kwanza Norte e Malanje – contactos entre o MPLA e tropas coloniais
‎Período: Julho a Setembro de 1974
‎Local: zona de Cacuso, Golungo Alto e Dondo
‎Protagonistas:
‎Pelo lado português: oficiais do Exército destacados de Luanda e de Malanje
‎Objectivo: discutir o cessar-fogo regional e preparar o retorno seguro dos quadros do MPLA a Luanda.
‎Importância:
‎O MPLA aproveitou esses encontros para negociar posições militares estratégicas e garantir o controlo da capital no momento da retirada portuguesa.
Rosa Coutinho, que chegou a Angola em Julho de 1974 como Alto-Comissário, incentivou esses contactos com a esperança de estabilizar o território antes da descolonização.
‎Resultado:
‎A presença do MPLA em Luanda e no eixo Cuanza Norte–Malanje consolidou-se logo no início de 1975, resultado directo dessas negociações discretas.

‎4. Encontros secretos entre guerrilheiros nas tentativas falhadas de aproximação entre movimentos
‎Período: Outubro – Dezembro de 1974
‎Locais: matas do Bié (entre Camacupa e Andulo) e do Moxico
‎Protagonistas:
‎Pequenos destacamentos de guerrilheiros da UNITA e do MPLA, com alguns observadores civis da FNLA, enviados sob mediação da Igreja Católica e de representantes locais da Cruz Vermelha.
‎Objectivo: testar a possibilidade de cessar-fogo entre movimentos angolanos, antes da conferência de Alvor.
‎Resultado: fracasso total.
‎A desconfiança era profunda, as diferenças ideológicas intransponíveis. Em vários casos, as patrulhas enviadas para o diálogo foram emboscadas.
‎Esses episódios confirmam que as “matas” eram já o verdadeiro cenário diplomático de Angola, antes mesmo da conferência de Alvor.

 A Glória dos vencidos e a derrota dos Generais

Por: Artur Cussendala SÁBADO, 18OUT2025

Quando a história é escrita pelos sobreviventes, até a rendição pode parecer um triunfo.

Os generais de carreira travaram combates contra capitães, majores e tenente-coronéis e, paradoxalmente, não venceram. Foram derrotados, desarmados e transformados à força em civis. Ainda assim, há quem veja nessa derrota um “ganho histórico”, como se a rendição pudesse ser reescrita em linguagem de glória. Tal inversão de valores revela a fragilidade da actual intelectualidade angolana, cada vez mais refém de narrativas convenientes e de uma leitura superficial do passado recente.

Um Marechal (Savimbi), rodeado pelos únicos generais de carreira que o país conhecia e com domínio de cerca de 75% do território nacional, não resistiu. Perdeu batalhas, perdeu a guerra e, por fim, capitulou. Para suavizar a vergonha e travestir o fracasso, deu-se à rendição o nome de “Acordo de Paz do Luena”, um título diplomático para encobrir a realidade militar e política do desfecho. Ironicamente, os falsos generais que mataram o Marechal triunfaram também sobre os verdadeiros generais de carreira, e hoje essa inversão é contada como epopeia por alguns dos amnistiados da UNITA.
A responsabilidade maior recai sobre José Eduardo dos Santos, que optou por amnistiar sem julgar, diluindo a fronteira entre justiça e perdão. E, mais recentemente, sobre João Lourenço, que decidiu reabilitar simbolicamente Jonas Savimbi, que outorgará a mesma medalha concedida às vítimas e aos combatentes pela paz. Esse gesto, ainda que revestido de retórica de reconciliação, acabou por nivelar moralmente agressores e ofendidos, algo que a história dificilmente absolverá.
Hoje, muitos acreditam que a violência, o saque e a destruição cometidos em tempos de guerra foram contribuições para a independência e unidade nacional. Mas há equívocos que o tempo não corrige: o humanismo é virtude dos humanos, não dos desumanos.
Tenho dito.

Texto publicado no Facebook
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sexta-feira, 12 de setembro de 2025

 Greve dos jornalistas em Angola

A anunciada greve dos jornalistas em Angola expõe uma realidade desconfortável: o jornalismo nacional perdeu relevância. Num país onde a emissora pública não é aberta, onde a pluralidade de vozes é abafada e onde a informação serve mais ao poder do que ao cidadão, é legítimo perguntar, que impacto real terá esta paralisação?

O único jornal de circulação nacional há muito deixou de ser uma referência. Com notícias sempre atrasadas em relação às redes sociais, perdeu leitores e credibilidade. As rádios privadas, mesmo que se juntem ao protesto, não têm alcance suficiente para mobilizar a opinião pública. O povo, que se informa cada vez mais por streaming, satélite ou pelas redes digitais, dificilmente sentirá falta da mídia nacional.
É esta a tragédia, uma greve que, em vez de abalar o patronato, pode até deixá-lo descansado. Afinal, quem vai sentir a ausência de uma informação que já era ignorada pela maioria?
A paralisação deveria servir como momento de reflexão profunda. Não basta cruzar os braços por melhores salários ou condições. É preciso reconquistar a confiança da sociedade. O verdadeiro impacto de uma greve jornalística não se mede pelo silêncio que provoca, mas pela voz que deixa de ecoar. E, infelizmente, a voz do jornalismo angolano já anda embargada há demasiado tempo.

 Para onde vai a diplomacia angolana?


A recente cúpula da Organização para Cooperação de Xangai (OCX), realizada na China, mostrou mais uma vez o isolamento da diplomacia angolana. Nem mesmo o presidente da União Africana — que é angolano — se fez presente. O resultado é um país que gasta muito para se mostrar no exterior, mas colhe pouco em termos de influência internacional.
Uma cúpula de grande relevância realizou-se na China, reunindo inclusive o Secretário-Geral da ONU, líderes de potências emergentes e uma boa parte do mundo que hoje procura reposicionar-se no tabuleiro global. Angola? Mais uma vez ficou à margem. Esta ausência não é apenas um detalhe de agenda, é um sintoma preocupante da fragilidade da nossa política externa.
A OCX, hoje consolidada como contrapeso à hegemonia ocidental, e o grupo dos BRICS, que ganha cada vez mais peso no cenário multipolar, são fóruns de decisão incontornáveis. A ausência de Angola nesses espaços, ou a falta de esforço para neles se inserir, mostra um desalinhamento entre as ambições do país e a prática diplomática efectiva. É como se aceitássemos, sem resistência, a condição de espectadores irrelevantes.
Enquanto isso, o que se observa é uma “diplomacia financeira” do presidente angolano que, quase todas as semanas, organiza viagens internacionais dispendiosas, acompanhadas de delegações numerosas que custam milhões ao erário. O contraste é gritante: gasta-se como potência, mas age-se como um país sem influência. Entre a retórica e a prática, sobra a imagem de um Estado que investe muito em aparência e pouco em resultados concretos.
A grande questão que se impõe é: para onde nos leva esta diplomacia? Se continuarmos a nos ausentar de fóruns estratégicos e a priorizar uma política externa de protocolo e prestígio pessoal, Angola corre o risco de perder espaço político e econômico num mundo em rápida reconfiguração.
Um país com os recursos, a história e a posição geográfica de Angola não pode contentar-se em assistir de fora. O mínimo que se exige é presença, voz e iniciativa. Porque, em diplomacia, ausência não é neutralidade, é renúncia de poder.

 A PREMIAÇÃO DO DEBOCHE

A entrega do galardão dos 50 anos de independência de Angola, está a virar uma verdadeira banalização de um tributo que devia ser tratado com mais critério e seriedade. Em vez de se valorizar a dimensão histórica de meio século de soberania, prefere-se espalhar medalhas e distinções sem rigor, tirando peso e simbolismo ao acto.

Na prática, esses prêmios vão quase sempre parar nas mãos de personalidades já conhecidas, gente com nome feito, artistas, celebridades e figuras mediáticas que já têm a sua fama garantida. Ficam de fora os verdadeiros filhos desta terra, aqueles que, no silêncio e no sacrifício, ajudaram a construir, defender e desenvolver Angola ao longo destas cinco décadas.
Mais grave ainda é ver entre os laureados pastores de reputação duvidosa, políticos e gestores conhecidos por más práticas e transformar os pobres em “ovelhas” submissas, ou simplesmente membros da elite que vivem rodeados de privilégios, sem nunca terem dado nada de relevante ao colectivo nacional. Ao invés de se premiar mérito e serviço à pátria, parece que se premia a proximidade ao poder e o estatuto social.
Enquanto isso, os heróis anónimos continuam esquecidos. Professores, médicos, cientistas, artistas de base, camponeses, militares e tantos outros que lutaram em diferentes frentes pela dignidade do país, não aparecem em nenhuma lista. A eles resta apenas a resignação, como se o seu esforço não tivesse valor na história nacional.
Se a celebração dos 50 anos de independência quer ser um acto sério e respeitado, então é preciso resgatar a justiça histórica. O verdadeiro reconhecimento deve ir para quem ergueu o país com suor, dedicação e sacrifício, mesmo sem fama nem fortuna. Caso contrário, vamos continuar a transformar um momento solene num simples desfile de vaidades das elites.
Eu, estou indignado com este desfile de deboche.

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

 O SACO DE KUMBÚ QUE NÃO ME ACHOU


Diz o comunicado do SIC de hoje sobre dois russos que andavam a fazer turismo criminal por Angola:
"Esses cidadãos entregaram avultadas somas de dinheiro, em moeda nacional e estrangeira, a jornalistas, políticos, associações profissionais e produtores de conteúdos digitais para dar suporte à sua acção."
Não sei se essa tal “acção” incluía mísseis, memes ou geopolítica tropical, mas a palavra “avultadas” bateu fundo. E bateu não pelo peso moral, mas pelo peso no bolso… do bolso dos outros, claro.
Sim, eu, produtor de conteúdo digital que acompanha a guerra Rússia–Ucrânia desde o primeiro estrondo e dado a versão russa, fiquei de fora do banquete, não recebi nem um mísero rublo. Zero. Nada. Népia.
Nem uma moeda de chocolate. O saco passou, distribuiu, fez amigos, e eu? Eu fiquei a acenar da berma da estrada, como criança que perdeu o autocarro escolar.
E não venham dizer que foi por prudência legal porque até onde vejo, nenhum dos beneficiados está a refrescar os tornozelos numa cela. Pelo contrário, andam leves, soltos e talvez com a carteira mais gorda.
Resta-me a dúvida existencial: isso foi sorte deles… ou o meu azar é tão grande que nem para suspeito eu sirvo?

 PARA SER SINCERO, ESTOU PREOCUPADO

‎O avanço da Inteligência Artificial e a força crescente das redes sociais no ecossistema informativo de Angola trouxeram um novo dilema político, porém, como equilibrar liberdade de expressão, combate às fake news e defesa da democracia, sem transformar a regulação em instrumento de censura?
‎No último Conselho de Ministros e ontem no Conselho da República, as autoridades demonstraram preocupação com o impacto destas tecnologias na política e na estabilidade social. Tudo indica que, em breve, Angola poderá adotar leis para regular o uso da IA e das plataformas digitais. A justificativa oficial é a protecção contra desinformação, discurso de ódio e manipulação política, mas a experiência histórica do país sugere que este debate não é neutro.
‎Desde a independência, a comunicação de massas em Angola foi estruturada sob forte centralização estatal. Durante o período de partido único, a imprensa pública ( Jornal de Angola, TPA e Rádio Nacional), funcionava como principal canal de informação e como ferramenta de legitimação do poder. Mesmo com a abertura política dos anos 1990, surgiram meios privados, mas as barreiras à independência jornalística mantiveram-se, seja por regulação, seja por pressão política. Com o crescimento da internet e sobretudo, das redes sociais a partir de 2010, o monopólio narrativo do Estado começou a enfraquecer. Plataformas como Facebook e WhatsApp tornaram-se espaços onde cidadãos comuns passaram a divulgar denúncias, mobilizar protestos e desafiar a narrativa oficial, frequentemente antes que a imprensa estatal reagisse. Esse fenómeno ficou visível nas manifestações de jovens activistas, nas eleições de 2017 e 2022 e nas denúncias de corrupção que ganharam repercussão online sem depender do filtro dos media tradicionais.
‎Agora, a Inteligência Artificial adiciona uma nova dimensão ao problema. Ferramentas capazes de gerar imagens, áudios e vídeos falsos com alto realismo, os chamados deepfakes, tornam mais fácil manipular a opinião pública. Num contexto político sensível, é possível criar discursos inteiros de candidatos, provas falsas de crimes ou distorções históricas e disseminá-los em segundos. Este perigo é real e não exclusivo de Angola, mas a resposta regulatória, se mal desenhada, pode ser pior do que o problema. Leis vagas ou excessivamente amplas podem servir para silenciar críticos e criminalizar conteúdos legítimos sob a alegação de serem “falsos” ou “perigosos”.
‎A experiência recente de outros países africanos serve como alerta. Uganda aprovou leis contra “uso indevido das redes sociais” que foram usadas para prender jornalistas e opositores. A Tanzânia obrigou blogueiros e criadores de conteúdo a pagar licenças caras, restringindo vozes independentes. A Zâmbia criminalizou a difusão de “fake news” sem definir critérios claros, permitindo interpretações políticas. Em todos esses casos, a narrativa oficial era “proteger a democracia”, mas o efeito prático foi reforçar o controlo político sobre a esfera digital.
‎O desafio para Angola é evitar que a luta contra a desinformação se torne apenas um pretexto para o reforço do controlo estatal sobre o debate público. É preciso criar mecanismos transparentes, com supervisão independente, que combatam efectivamente a manipulação digital sem sufocar a pluralidade de vozes. A democracia moderna exige que a informação circule livremente, mesmo quando desconfortável ao poder. Redes sociais e Inteligência Artificial são ferramentas poderosas que tanto podem fortalecer a cidadania como ser usadas para controlá-la. O futuro democrático de Angola dependerá de como essas ferramentas serão reguladas e, principalmente, de quem terá a última palavra sobre o que é verdade ou mentira.

 A origem e a chegada da mandioca a Angola e à África


A mandioca (Manihot esculenta) é uma planta de raiz originária da América do Sul tropical, especificamente da
região do sudoeste da Amazónia, hoje abrangendo partes do Brasil, Bolívia e Paraguai. Estudos arqueológicos e análises genéticas mostram que a sua domesticação começou há cerca de 8.000 a 10.000 anos, quando povos indígenas selecionaram variedades silvestres do género Manihot, desenvolvendo métodos para reduzir ou eliminar o ácido cianídrico presente nas variedades bravas.
Muito antes do contacto europeu, a mandioca já se espalhara por várias regiões das Américas através das trocas culturais e comerciais entre povos indígenas. No entanto, foi no século XVI, com as viagens marítimas e o início do comércio atlântico, que a planta atravessou o Atlântico rumo a África.
Os portugueses, estabelecidos no Brasil, reconheceram na mandioca uma cultura extremamente valiosa: resistente à seca, capaz de crescer em solos pobres e produtiva ao longo de todo o ano. Por essas razões, começaram a transportar mudas e estacas a bordo das naus que faziam a rota Brasil–África. Angola foi um dos primeiros pontos de introdução, seguida de outras áreas da costa ocidental africana e, mais tarde, de regiões orientais como Moçambique e até Madagascar.
O impacto foi imediato. Em Angola, o clima tropical e as condições de solo favoreceram o rápido crescimento da mandioca, que logo passou a integrar-se nas práticas agrícolas e alimentares locais. Inicialmente utilizada como “cultura de segurança” para épocas de escassez, tornou-se gradualmente base da dieta, originando pratos como o funge, a farinha de bombó e a mandioca cozida.
Já no século XVIII, cronistas e viajantes europeus que percorreram Angola notaram que a mandioca era tão comum que muitos acreditavam tratar-se de planta nativa africana. Essa percepção ainda hoje é partilhada por comunidades que, ao longo de séculos, incorporaram-na profundamente na sua identidade culinária.
Assim, a mandioca, embora nascida no coração da Amazónia, encontrou em Angola e no restante continente africano um segundo lar, tornando-se elemento essencial para a segurança alimentar e para a cultura gastronómica de milhões de pessoas.

Bibliografia
1. Alves-Pereira, A., Peroni, N., et al. (2018). Domestication and diversification of Manihot esculenta: Insights from phylogeography and ethnobotany. Genetic Resources and Crop Evolution, 65(5), 1377–1390.
2. Olsen, K. M., & Schaal, B. A. (1999). Evidence on the origin of cassava: Phylogeography of Manihot esculenta. Proceedings of the National Academy of Sciences, 96(10), 5586–5591.
3. FAO (Food and Agriculture Organization). (2013). Save and Grow: Cassava – A guide to sustainable production intensification. Rome: FAO.
4. Carter, S. E., Fresco, L. O., Jones, P. G., & Fairbairn, J. N. (1992). An atlas of cassava in Africa. Collaborative Study of Cassava in Africa (COSCA), International Institute of Tropical Agriculture (IITA).
5. Jones, W. O. (1959). Manioc in Africa. Stanford, CA: Stanford University Press.
6. Blench, R. (2010). The diffusion of cassava in Africa: Linguistic and botanical evidence. In From Colonisation to Globalisation: Species Movements in Human History (pp. 93–112).
7. Dias, J. (1986). Plant introductions in Portuguese Africa. Interciencia, 11(6), 291–298.
8. Vansina, J. (1990). Paths in the Rainforests: Toward a History of Political Tradition in Equatorial Africa. Madison: University of Wisconsin Press.

 Entre a memória e a realidade


Quase cinquenta anos se passaram desde que Angola recuperou o direito de ser dona do seu destino.

Para quem nasceu nos anos 2000 ou veio das chamadas “terras livres” jovem e com o intelecto partidarizado, é difícil imaginar a grandeza dos sonhos que acendemos em 1975. Para estes e muitos jovens, as dificuldades e a estagnação de hoje parecem normais, como se sempre tivessem existido. Mas para quem viveu a transição ou seguiu a trajectória, sabe que há uma verdade que não se pode apagar, já houve um tempo em que acreditámos num futuro diferente mesmo com todas as adversidades. A ressalva se faz aos saudosistas e ressabiados que ainda existem entre nós.

Nestes cinquenta anos, errámos. Errámos, sim e alguns erros como a guerra civil, foram graves, com marcas profundas. Mas também fizemos mais pelo nosso povo do que se fez em quase quinhentos anos de colonização. Erguemos infraestruturas colossais, barragens, estradas, pontes e cidades inteiras. Construímos escolas e hospitais. Abrimos espaço para vozes que antes eram silenciadas. Tentámos, mesmo com imperfeições, traçar um caminho pensado por nós e para nós.

Não é esconder as falhas, nem tapar o desastre que hoje vivemos. É lembrar que o único período justo para comparar o presente é a nossa própria independência. O passado colonial não é exemplo; é aviso. E o presente só fará sentido se nunca esquecermos o quanto custou chegar até aqui.

Eu acredito num futuro melhor. Mas esse futuro não cairá do céu. Ele depende de uma juventude que aprenda a pensar e a viver Angola de forma consciente. De uma juventude que perceba que partidos políticos, assim como religiões, muitas vezes não servem para unir, mas para dividir.
O destino do nosso país não será decidido por bandeiras nem por credos. Será decidido pela nossa capacidade de nos unirmos como povo e lutarmos por um propósito maior de fazer de Angola uma terra justa, livre e digna para todos.

E isso… começa agora.
Angola é vossa, nós kotas, estamos próximos do portão de saída.

 Os espantalhos humanos que a UNITA criou e como foi fácil torna-los milicianos digitais.


Durante anos, mantive-me atento, especialmente nas redes sociais, a um fenómeno chocante. Muitos dos chamados “maninhos” escrevem (às vezes até bem) mas é evidente que não sabem ler. Escrevem sem compreender, e entre os que realmente lêem, 1 em 10 não interpretam o que lêem. É alarmante.


A leitura não é apenas juntar letras; é pensar. É construir sentido. Requer vocabulário, memória activa, raciocínio, interpretação. E nada disso se ensina com repetição ou doutrinação.

Na Jamba e nas "terras livres", a UNITA tentou construir um sistema escolar paralelo com 1.000 escolas, 5.000 professores e 200.000 crianças, conforme seus relatórios da época. Mas muitos desses docentes eram sobreviventes do sistema colonial (a maioria com a 4ª classe), enviados ao “mato” para manter a ilusão de autoridade. O ensino era mecânico, ideologizado e desligado da autonomia intelectual.

A educação era usada como propaganda, não como emancipação. Repetição em vez de reflexão. Disciplina em vez de questionamento.

O triste legado é evidente, alfabetizados funcionais que ecoam frases vazias; robôs que repetem cartilha de forma canina. Raciocínio? Raro. Compreensão? Uma miragem. E muitos ainda aplaudem isso como “educação”. Daí o "exército" de milicianos digitais que o actual líder dos "maninhos" de outra escola, conseguiu reunir nas redes sociais para combater tudo e todos que pensem fora da caixa.

PAZ E AMOR

  Os Acordos de Alvor, um nado morto da transição angolana Por Artur Cussendala Muitos enaltecem os Acordos de Alvor por simples ignorância...