segunda-feira, 9 de junho de 2014


Após o Acordo do Alvor

Em finais de Janeiro de 1975 toma posse perante o Alto Comissário Gen. Silva Cardoso o governo de Transição com pastas distribuídas pelos três movimentos e por Portugal, não fazendo Portugal parte do Colégio Presidencial (Lopo do Nascimento/Johny Eduardo Pinóqui/N’Dele). As reuniões do Governo de Transição tornam-se palco de permanentes agressões verbais, quando não de tentativas de agressão física. [11] 



A situação interna não cessa de se deteriorar, chegando-se a uma situação de guerra aberta entre o MPLA e a FNLA que entra no limiar da guerra civil no interior da cidade de Luanda. 



As forças militares mistas como embrião do exército nacional angolano previstas no Acordo do Alvor, não avançam dada a situação de confronto permanente entre os Movimentos apesar dos esforços da parte portuguesa. 



A atitude de “neutralidade passiva” do Alto Comissário, pelo menos no que às atitudes inconvenientes da FNLA que violavam o Acordo de Alvor, o que provocava um confronto permanente entre o MFA de Angola e o Alto Comissário. 



Proibição de entrada de forças militares em Luanda não respeitada pela FNLA e MPLA que continuam a introduzir na capital homens e armamento que serve para o confronto urbano. 




Em finais de Abril o MFA de Angola elabora um estudo de situação que envia para o Conselho de Revolução que se tinha institucionalizado em Portugal depois do golpe do 11 de Março, no qual apresenta os principais problemas com que a descolonização de Angola se debate:



◦Governo de Transição paralisado; 


◦Forças militares mistas não avançam [12] . Presume-se mesmo a presença de militares zairenses entre os elementos da FNLA, falando apenas o francês; 


◦Constantes violações do Acordo do Alvor por parte dos movimentos; 


◦Incapacidade anímica do Alto Comissário português para dominar a situação; 







O MFA de Angola já então designado por CCPA [13] , propõe: 




◦A “neutralidade activa” [14] por contraponto à “neutralidade passiva” do Alto Comissário; 


◦A aliança MPLA/UNITA para se poder recuperar o essencial do Alvor, face à auto-marginalização da FNLA. Esta proposta não foi em frente porque o MPLA a recusou à partida; 


◦A substituição do A. C. que se distanciava cada vez mais da CCPA; 


◦O reforço do papel do MFA só possível com a sua institucionalização como acontecera em Portugal com o C. R.; 



Estava bem delineada a confrontação para a conquista do poder. Os confrontos MPLA/FNLA agravavam-se em Luanda e alastraram a outros distritos. 



De novo o MFA de Angola vem a Portugal em finais de Maio expor a gravidade da situação, sugerindo a necessidade de uma nova cimeira, para a qual o MPLA e a UNITA não se opunham totalmente. Este Movimento ocupava uma posição fortalecida em Nova Lisboa, endurecendo o seu discurso contra Portugal. 



Os três movimentos encontram-se em Nakuru entre 16/21 de Junho, sem a presença de representante português, em princípio o Alto Comissário, em clara violação dos Acordos do Alvor. O comunicado final, «...omite, ostensivamente qualquer referência a Portugal, mas tinha aspectos positivos nomeadamente uma análise da situação que podia ser encarada, sem esforço, como uma séria autocrítica e que nos seus pontos fundamentais coincidia com os estudos que a CCPA vinha fazendo [15] . 



Embora este Acordo de Nakuru declarasse que os três presidentes «...afirmam solenemente renunciar ao uso da força como meio de solucionar os problemas e honrar os compromissos resultantes do Acordo...» [16] , os resultados práticos foram nulos e caminhava-se para a guerra civil generalizada. 



O MPLA lança a batalha de Luanda para expulsar a FNLA da capital, o que consegue. A FNLA, de acordo com Pezarat Correia, «tinha concentrado no Norte um forte exército, já com unidades do tipo convencional incluindo algumas forças do exército regular zairense, e inicia uma manobra para sul cujo objectivo é a ocupação de Luanda» [17] , ocupando nos finais de Julho os distritos do Zaire e do Uíge. A UNITA domina o planalto central expulsando as forças do MPLA e da FNLA dos distritos do Huambo e do Bié. 



É a escalda da guerra civil com os movimentos a ocuparem partes do território, o que podia conduzir à balcanização de Angola. As forças militares portuguesas ainda espalhadas pelo território foram concentradas nas principais cidades para evitar serem envolvidas nos conflitos entre movimentos e em relação a Luanda é dada ordem de impedir qualquer tentativa de entrada da FNLA na capital. Ao pedido da parte portuguesa a Lisboa de reforço de meios, apenas é disponibilizada uma companhia de pára-quedistas (cerca de 120 homens). 



Portugal vivia um processo complicado e era difícil, sobretudo os partidos políticos colocarem nas suas listas de prioridade o problema de Angola. Não dava votos. É o Presidente da República que assume o controlo mais directo do processo, para o que sentiu a necessidade de criar junto a si um Gabinete de Angola a fim de ter uma ligação mais directa com Luanda e ter disponível informação em tempo oportuno. Eu vim integrar esse Gabinete como elemento ligado ao processo desde o princípio e conhecedor da situação que se vivia em Angola (finais de Junho de 1975) onde, juntamente com o Cor. Passos Ramos que como elemento da Comissão Nacional de Descolonização estivera no Alvor, passámos a assessorar o P.R. no que à descolonização de Angola dizia respeito. 



Em 30 de Julho o Alto Comissário, General Silva Cardoso, demite-se sendo substituído pelo Almirante Leonel Cardoso. Perante o não funcionamento dos órgãos previstos no Acordo do Alvor e a permanente violação do acordado, Portugal decide suspender parcialmente o Acordo de Alvor, o que levantou delicados problemas em termos de direito internacional, tendo sido incumbidos de estudar uma solução jurídica para o assunto a Professora Magalhães Colaço da Faculdade de Direito de Lisboa e o Dr. Miguel Galvão Teles. Entretanto no território, verifica-se a internacionalização do conflito: Zaire, África do Sul e Cuba intervêm em apoio aos diferentes movimentos 



Em vésperas da independência estava iminente o ataque a Luanda em duas frentes. Mas o MPLA/Cubanos resistiram e a capital permaneceu em poder do MPLA graças à destruição da ponte sobre o rio Queve que deteve a coluna que se aproximava de sudeste e da coluna do FNLA, integrando mercenários portugueses, ter sido derrotada na batalha do Kifandongo. [18] 



Em reunião da Comissão Nacional de Descolonização de dia 09 de Novembro é decidido o envio de uma Delegação a Luanda em representação de Portugal no momento da declaração de independência de Angola, chefiada pelo Almirante Victor Crespo e na qual eu me integrava. Por decisão do Governo foi travada a ida dessa delegação a Luanda, pelo que a independência da República Popular de Angola foi proclamada sem a presença de qualquer representante da antiga potência colonizadora, Portugal. 



A 10 de Novembro, pelas dezoito horas, o Alto Comissário leu uma proclamação em nome da República Portuguesa, reconhecendo a independência do Estado Angolano e a entrega da soberania ao povo angolano a quem compete decidir das formas do exercício da soberania, após o que a última bandeira portuguesa símbolo da soberania portuguesa em África foi arriada e o Alto Comissário e comitiva embarcaram numa fragata da Marinha de Guerra Portuguesa [19] . Às zero horas de dia 11 de Novembro de 1975 estava fora das águas territoriais angolanas, navegando rumo a Portugal, enquanto o Dr. Agostinho Neto proclamava solenemente a República Popular de Angola, enquanto a FNLA e A UNITA proclamavam no Uíge e no Huambo a República Democrática de Angola, sem sucesso. 



Foi a única ex-colónia onde se proclamou a independência sem a presença de representantes oficiais de Portugal. Lamento o que considero um grave erro histórico que teve consequências no relacionamento entre os dois países, vindo Portugal a ser o 83.º país a reconhecer, tardiamente, o país independente que nascera da sua antiga colónia. """

Ofensiva libertadora do Soyo 1976




Fotografia: Jornal de Angola

A reconquista do Soyo, após a Batalha de Kifangondo, constituiu o culminar da grande ofensiva das FAPLA para libertar todo o norte do país, ocupado militarmente por tropas do Zaire (Mobutu) e por mercenários de várias nacionalidades, que serviam de capa protectora à FNLA de Holden Roberto.
Fonte: Jornal de Angola
A operação estava incluída no Plano Operacional do Estado-Maior Geral das FAPLA, chefiado pelo comandante Xiyetu,para a libertaçáo total do País das forças invasoras.
O general  Salviano de Jesus Sequeira, “Kianda”, na altura oficial da IX Brigada de Infantaria Motorizada, descreveu ao nosso jornal como tudo se desenrolou: “a reconquista da cidade do Soyo inseriu-se no âmbito de uma ampla operação para a libertação do Norte de Angola. A contra-ofensiva foi realizada em duas direcções, uma com as Forças da IX Brigada de Infantaria Motorizada que partiu rumo às Mabubas,Nambuangongo, Vista Alegre,  Quitexe, Uíge, Songo, Bessa Monteiro, Nzeto, Quinzau, Soyo e Ponta do Padrão. A  outra com as forças de um regimento cubano, que tomou a direcção Ndalatando, Lucala,  Samba Caju,  Camabatela, Negage, Damba, Maquela do Zombo, Cuimba e  Mbanza Congo.
A  IX Brigada de Infantaria Motorizada era comandada pelo comandante Ndozi. O regimento cubano, pelo comandante Tchué.
“As Forças da IX Brigada de Infantaria Motorizada integravam também, além da assessoria cubana, uma companhia de tanques cubana e um pelotão de artilharia reactiva BM-21. Com o regimento cubano operavam também algumas pequenas  unidades angolanas enquadradas por oficiais e sargentos cubanos”, recorda o general Kianda.
“Quanto à companhia de comandos Corvos ao Imbondeiro, que desde a sua criação se subordinava ao Estado-Maior Geral das FAPLA e cumpria as suas missões em diversos teatros operacionais, a partir do momento em que a Batalha de Kifangondo ficou decidida, foi agregada à IX Brigada de Infantaria Motorizada”, disse.
O general Kianda lembra que no decorrer da contra-ofensiva da IX Brigada de Infantaria Motorizada  e posteriormente à tomada da cidade do Nzeto, o comandante Ndozi introduziu na ordem combativa os “Corvos ao Imbondeiro”, conjuntamente com uma outra companhia de comandos, comandada pelo actual general Nzumbi.
As duas companhias de comandos e uma companhia de reconhecimento em viaturas blindadas de reconhecimento cumpriram a missão de destacamento avançado da IX Brigada de Infantaria Motorizada porque se previa que no decorrer da marcha na direcção Nzeto,Tomboco,Quinzau e Soyo, fosse necessário travar alguns combates de encontro.
“Num desses combates de encontro, três quilómetros a Norte do rio Mbridge, foram feridos o comandante adjunto Roseira, da companhia Corvos ao Imbondeiro, e o chefe de pelotão da outra companhia de comandos,  Vieira Lopes, tendo este ficado ferido hum pé, como resultado do impacto de um pedaço de blindagem do veículo de transporte blindado que accionou uma mina anti-tanque, tendo-lhe cortado a bota e parcialmente o pé”, disse o general Kianda.

Ndozi sempre à frente

“Considero importante destacar que no comando mais avançado dos tropas da IX Brigada de Infantaria Motorizada em direcção ao Soyo, estava o comandante Ndozi,  que não perdeu uma única oportunidade de observar, pessoalmente, a área de combate”, disse o general Kianda.
O destacamento avançado, constituído por duas companhias de comandos, uma companhia de reconhecimento, uma bateria de artilharia reactiva e uma bateria de artilharia anti-aérea era dirigido pelo comandante Kianda.
O oficial general disse ao nosso jornal que não discorda do relato produzido “pelos bravos combatentes da companhia de comandos Corvos ao Imbondeiro “dos quais tenho muitas e boas recordações além de admiração”. Mas relativamente às acções combativas da unidade, na reconquista da cidade do Soyo “desdobraram-se simultaneamente as outras unidades que constituíam o Destacamento Avançado. Tanto assim que no quartel inimigo onde foi ferido o então comandante da companhia de comandos Nelson Gaspar, ao mesmo tempo foi atingido gravemente, no pulmão, o corajoso combatente, chefe de um dos carros blindados da Companhia de Reconhecimento, o camarada Zeca Ndongo”.

Momentos de heroísmo

O general Kianda recorda um pormenor do heróico combate: “enquanto o comando Américo Oliveira, debaixo de fogo, evacuava o comandante Nelson Gaspar do interior do quartel, simultaneamente eu - desculpem-me a falta de modéstia - evacuava às costas o camarada Zeca Ndongo”.
A batalha pela libertação da cidade do Soyo teve várias acções combativas conta a coligação constituída pela FNLA, as forças armadas do Zaire e mercenários: “ outros camaradas também foram feridos. Gostava de lembrar-me do nome de todos, até porque foram poucos os feridos da nossa parte. Mas tenho na memória o Paulito, comandante adjunto da bateria de artilharia anti-aérea. Nos combates para a ocupação do Soyo, infelizmente ­tivemos um morto, o camarada Pilartes da Silva”. Muito importante: “a libertação da cidade do Soyo foi realizada pela IX Brigada de Infantaria Motorizada, constituída pelo Destacamento Avançado (duas companhias de comandos, uma companhia de reconhecimento em BRDM, uma bateria de artilharia anti-aérea e uma Bateria de GRAD-P cujos esforços foram incrementados pelas forças principais da Brigada, que desenvolveram a ofensiva até à Ponta do Padrão, impedindo a reorganização das tropas da FNLA enquadradas por mercenários e tropas das Forças Armadas do Zaire”.

Reconhecimento aéreo

O general Kianda recorda que a batalha pela libertação da cidade do Soyo. Esta “foi facilitada pelo reconhecimento, aéreo a bordo de uma avioneta, do comandante Ndalu chefe do Estado-Maior IX Brigada de Infantaria Motorizada e pelo comandante Ngongo, chefe de Artilharia, que nos enviavam os dados referentes às direcções e locais de fuga das tropas inimigas”.
A reconquista da cidade do Soyo “foi mais uma batalha das muitas realizadas desde Kifangondo pelos valorosos e corajosos combatentes da IX Brigada de Infantaria Motorizada, à qual estava agregada a companhia de xomandos Corvos ao Imbondeiro”.
Os militares gostam de esclarecer todos os pormenores. E o general Kianda esclarece um ponto final: “quero destacar que em todas as acções combativas levadas a cabo pela IX Brigada de Infantaria Motorizada, desde as Mabubas até à Ponta do Padrão, na província do Zaire, ela saiu sempre vitoriosa. E todas as acções foram hábil, corajosa e decididamente comandadas pelo comandante David Moisés Ndozi,um filho do Soyo”.

Portugal deixou a PIDE colaborar com apartheid

Depois da “Revolução dos Cravos” como especialista em guerra subversiva Óscar Cardoso foi trabalhar para o regime da Rodésia de Ian Smith e depois para as Forças de Defesa da África do Sul na altura em que estas começaram a organizar e a coordenar na Jamba e na faixa de Caprivi as actividades das forças da UNITA que interessavam à sobrevivência do regime de apartheid. O operacional da PIDE conta toda a sua história.

Óscar Cardoso foi inspector-adjunto da PIDE/DGS. Era o número dois da organização em Angola. Nas savanas do Cuando Cubango fundou os Flechas “para travarem a UNITA que queria fazer a guerrilha na região”. O sucesso destas forças levou a multiplicar os grupos em todos os teatros de operações.Em 1976, Óscar Cardoso foi para a Rodésia de Ian Smith onde criou forças especiais para enfrentar os guerrilheiros da ZANU, comandados por Robert Mugabe. Um ano depois foi para a África do Sul organizar as forças de Savimbi na guerra contra Angola. Pela primeira vez, depois da “Revolução dos Cravos” em Portugal e a extinção formal da polícia política portuguesa, um alto responsável da PIDE fala do percurso de Savimbi ao serviço de Portugal e do apartheid.


Jornal de Angola - Foi para Angola como militar ou já ao serviço da PIDE? 


Óscar Cardoso
 - Eu era um homem de confiança do regime e a PIDE soube que o director da polícia em Angola, São José Lopes, estava metido numa conspiração com a Rodésia e a África do Sul para proclamarem a independência do território. Com São José Lopes estavam pessoas com grande poder económico na província. Era preciso travar aquilo. Fui para Luanda com essa missão. Nessa altura já era inspector.

JA - Conseguiu travar essa conspiração? 

OC 
- A minha missão era secreta, mas São José Lopes soube tudo ainda eu não tinha desembarcado em Luanda. Por isso, quando cheguei, mandou-me para o Cuando Cubango alegando que havia movimentos subversivos na região que era preciso travar. Quis ver-se livre de mim, rapidamente. Na verdade as forças do MPLA usavam o norte do Cuando Cubango para se infiltrarem no planalto central e o Savimbi queria fazer a guerrilha naquela zona. Eu estudei antropologia na Escola Colonial e interessei-me pelos khoisan, os chamados bosquímanos. Conheci-os ao vivo. Quanto à conspiração, eles pararam na altura mas nunca abandonaram o projecto. Logo a seguir ao 25 de Abril, retomaram-no.

JA - O que concluiu com os seus estudos? 


OC - Os bosquímanos foram empurrados para os locais mais inóspitos e por isso odiavam todos os que não eram da tribo. Verifiquei que eram pisteiros espantosos. Liam os rastos como nós lemos um livro. Sabiam se as pegadas eram de homem ou mulher, se iam carregados ou não. Um dia até me disseram que a pista era de uma mulher grávida. O administrador Amaral Pontes tinha uma grande paixão pelos bosquímanos. Chamavam-lhe Tata Kun. Um dia decidimos fazer deles uma força contra os grupos da UNITA que queriam implantar-se no Cuando Cubango. Como as suas armas eram os arcos e flechas, pus-lhes o nome de “Flechas”.

JA - Como conseguiam enfrentar forças armadas só com arcos e flechas?


OC - As flechas eram armas terríveis. Eles conhecem um tubérculo altamente venenoso que fica uns dias em infusão. Depois embebem as pontas das flechas naquele líquido e quando acertam nas presas, elas ficam paralisadas. Nem os elefantes resistem ao veneno. Os Flechas arrasaram os homens da UNITA porque eles tinham medo da noite. Os bosquímanos conhecem a noite tão bem como o dia e atacavam o inimigo quando estava a dormir. Seguiam o lema do general chinês Sun Tse Wu, que existiu há mais de 3500 anos: sejam mais rápidos que o vento e tão misteriosos como a mata. Sejam destruidores como o fogo e silenciosos como as montanhas. Sejam impenetráveis como a noite e furiosos como o trovão.

JA - Os Flechas no Leste também eram bosquímanos? 

OC
 – Não. Dado o êxito dos Flechas no Cuando Cubango, decidimos criar unidades em todos os postos situados no teatro de guerra. Em Gago Coutinho (Lumbala Ngimbo) foram recrutados os antigos guerrilheiros que se entregaram ou foram feitos prisioneiros. Depois também recebemos um grande reforço dos guerrilheiros da UNITA comandados pelo major Sachilombo, formado na academia militar de Nankin e que na época era o número dois da UNITA.

JA - A UNITA foi criada pela PIDE? 


OC 
- Não, a UNITA foi criada pelo Savimbi e mais alguns companheiros, que receberam treino político e militar na China. Nós conhecíamos o perfil de todos e quando se instalaram na Frente Leste fomos estabelecendo contactos. Eles estavam a ser muito úteis porque combatiam as forças do MPLA. Mas depois infiltraram-se na zona do Munhango e começaram a incomodar a actividade dos madeireiros. Nessa altura fizemos o que qualquer força de inteligência militar faz: estabelecemos contactos com Savimbi e os seus oficiais.

JA - Está a falar da “Operação Madeira”? 


OC- Exactamente. O pessoal da PIDE e do comando da Frente Militar Leste começou a estabelecer contactos com Savimbi e os seus oficiais. Conseguimos resolver o problema dos madeireiros. Logo nos primeiros contactos verificámos que o Savimbi tinha muito gosto em trabalhar connosco. O general Bettencourt Rodrigues, um militar extraordinário, deu luz verde e a UNITA passou a combater ao lado das tropas portuguesas.

JA - Quem fez os contactos com a UNITA no Munhango?


OC
 - Alguns nomes são públicos, mas eu não vou repeti-los. Por uma questão de ética só dou eu a cara. E refiro o senhor general Bettencourt Rodrigues porque ele nunca escondeu o seu papel na Operação Madeira. O Savimbi estava cheio de vontade para combater as forças do MPLA e nós fizemos-lhe a vontade.

JA - Savimbi fez alguma exigência para lutar ao lado das tropas portuguesas e dos Flechas da PIDE? 


OC
 - Fizemos um acordo, ele combatia os guerrilheiros do MPLA e nós dávamos em troca armas, apoio logístico e médico. O Savimbi esteve várias vezes internado no Hospital do Luso (Luena). Ele tinha problemas de saúde que se agravaram mais tarde. Recebeu tratamento várias vezes num hospital da África do Sul que tinha uma área secreta, destinada exclusivamente ao pessoal da UNITA.

JA - Depois da “Operação Madeira” a UNITA fez operações contra a tropa portuguesa? 


OC - Fez algumas, para limpar a imagem. Quando se soube que Savimbi estava do nosso lado, perdeu prestígio em África. E ele queria mostrar que eram mentiras para o prejudicar. Fez uma operação que quase me custou a vida. Mas Deus salvou-me.

JA - Não me diga que Deus estava ao lado da PIDE?


OC - Pensem o que quiserem, mas eu fui salvo por Deus. Quando os comandantes Sachilombo e Pedro foram para Gago Coutinho, algum tempo depois começaram a circular notícias que davam a UNITA como uma organização ao serviço da PIDE. Então o Savimbi, que era muito traiçoeiro, resolveu fazer uma operação para limpar a imagem negativa. Armou-me uma cilada. Queria matar-me, matar um coronel da Força Aérea da África do Sul e o major Sachilombo. 

JA - O que aconteceu? 

OC
 – O Savimbi mandou dizer que queria mandar um grupo grande de guerrilheiros para nos ajudar  na III e na IV Região do MPLA. Disse que o comandante Nzau Puna ia comandar esses grupos. Montámos a Operação Viragem e tratámos de todos os pormenores. O ponto de encontro era perto de Cangamba. Nós mandámos Flechas por terra em direcção ao local. Eu e o major Sachilombo fomos num helicóptero sul-africano, pilotado por um coronel. Aterrámos a cinco quilómetros do objectivo, num pequeno planalto, como estava previamente combinado. Veio ao nosso encontro um homem andrajoso, mas com as mãos e as unhas bem tratadas. Fiquei desconfiado com isso.

JA - Retiraram da zona? 


OC - Desconfiei e manifestei as minhas desconfianças ao major Sachilombo. Mas decidimos acompanhar aquela figura estranha. Dois quilómetros à frente, encontrámos os nossos Flechas. Estavam todos sem armas. Disseram que os oficiais da UNITA lhes pediram para guardarem as armas porque estávamos numa operação de amizade e não fazia sentido andarem armados. Fiquei ainda mais desconfiado. O guia indicou-nos um morro a cerca de dez quilómetros. Era lá que estavam os homens da UNITA e o Savimbi. Nesse momento o major Sachilonmbo chamou-me à parte e disse para sairmos imediatamente dali. Dissemos aos homens para se dispersarem e esperarem a chegada do helicóptero.

JA - Como escaparam?


OC - Partimos apressadamente para o helicóptero e quando levantámos voo pedi ao piloto para sobrevoar o morro onde estava Savimbi e os seus homens. Mas o piloto disse que tinha pouco combustível e era melhor regressar a Cangamba para abastecer. Chegámos a uma hora que já não dava para regressar. No dia seguinte, ao nascer do sol, partimos para o local. Estava tudo limpo, mas sobre o morro caía uma chuva torrencial. Não se via nada. Demos algumas voltas até que o nosso radiotelegrafista em terra nos disse que quase todos os Flechas tinham sido mortos pela UNITA. Disse-lhe para desligar o rádio e esconder-se. Montámos uma operação de resgate. Os Flechas em terra tinham sido esquartejados. Foi horrível. Se não fosse aquela chuva hoje não estava aqui. 

JA - Acabaram aí as relações com a UNITA? 

OC 
- Continuaram, mas quisemos saber o que tinha acontecido. Os seus homens disseram que o Savimbi decidiu montar a Operação Baile para limpar a imagem da UNITA. Queria apresentar a minha cabeça, as do major Sachilombo e do coronel sul-africano. Além disso ficava com o helicóptero como troféu. Assim provava que nada tinha a ver com a PIDE e ainda acusava os portugueses de estarem aliados à África do Sul. Dizer ao mundo que tinha morto em combate o fundador dos Flechas era um grande trunfo. E fazia o papel de justiceiro em relação ao major Sachilombo.

JA - Essa foi a única operação contra as forças portuguesas? 

OC 
- Ainda fizeram mais uma ou duas operações contra as forças armadas portuguesas, sempre para mostrar que a UNITA lutava contra nós. Eu alertei para este comportamento, mas nada pude fazer quando, depois do 25 de Abril, a inteligência apresentou Savimbi como o “muata da paz” e a UNITA como o “movimento dos brancos”.

JA - Ninguém o quis ouvir? 


OC - Não, eu estava de licença graciosa em Portugal e apanhei lá os acontecimentos do 25 de Abril. Perdi os contactos e não pude agir. Aquela ideia de fazer do Savimbi o grande dirigente angolano da paz foi um erro trágico. Perderam os angolanos e os portugueses. Depois fui preso no Forte de Peniche. Estive lá dois lados. Comandei o forte e depois fui prisioneiro. Mas nunca ninguém me tocou com um dedo. Só quiseram destruir-me psicologicamente. Resisti. 

JA - O senhor era considerado da linha dura da PIDE.


OC – O que é isso da linha dura? Nunca torturei ninguém. Nunca toquei com um dedo num preso. Havia um dirigente estudantil que andava a fazer asneiras. Foi preso. Quando o interroguei percebi que ele não valia nada. Telefonei à mãe para ir buscá-lo à sede da PIDE. No dia seguinte todos os estudantes souberam o que aconteceu e ele perdeu o prestígio. Depois do 25 de Abril reapareceu e hoje é um grande político. Mas confesso que, por vezes, era preciso dar uns calores.

JA  – A PIDE tinha infiltrados nos movimentos de libertação.


OC  – Sim, nós tinhamos e eles também tinham pessoas infiltradas nos nossos serviços.

JA - Depois do 25 de Abril foi julgado em Tribunal Militar? 


OC 
- Fui julgado e na minha folha de serviços constavam relevantes serviços prestados à pátria, no Exército, na GNR e na PIDE/DGS. Apanhei dois meses de prisão por não me ter apresentado semanalmente no posto da GNR, como tinha sido determinado pelo Tribunal civil. Nos meses que se seguiram ao 25 de Abril soube que a UNITA tinha torturado e assassinado o Soba Matias no Cuando Cubango. Fiquei em choque. Ele era um valioso combatente ao serviço de Portugal.

JA - Quem era o Soba Matias? 


OC 
- Um grande homem. Um dia foi ter comigo ao posto da PIDE em Serpa Pinto (Menongue) e disse que andavam homens da UNITA a fazer mal ao povo. Pediu-me oito armas para ir apanhá-los. Confiei nele e entreguei-lhe as armas. Apanhou os guerrilheiros da UNITA. Desde então, foi um combatente extraordinário. Depois do 25 de Abril os homens da UNITA foram à sua aldeia e mandaram-no arriar a bandeira portuguesa. Ele recusou. Torturaram-no até à morte e esquartejaram-no para servir de exemplo ao povo. Foi terrível.

JA - Mesmo sabendo disso, foi trabalhar com Savimbi na África do Sul? 


OC - Eu tive de fugir de Portugal. Passei 730 dias preso em Peniche e quando saí em liberdade condicional, participei em algumas operações do ELP e do MDLP. Fui denunciado e os revolucionários queriam prender-me outra vez. Quando o autocarro se atrasa 15 minutos ficamos logo nervosos. Eu passei 730 dias da minha vida no Forte de Peniche. Não queria ficar preso nem mais um minuto. Contactei os meus amigos da Rodésia e fui para lá. Saí de Portugal clandestinamente e em Madrid os meus amigos do MDLP arranjaram-me um passaporte. Eles tinham muitos passaportes, em branco. Tive que arranjar um nome falso.

JA - Como passou a chamar-se? 


OC 
- Rogério Ramon Pinto de Castro. Cada nome destes correspondia ao meu pseudónimo nas organizações a que pertencia: Exército de Libertação de Portugal (ELP), Movimento Democrático de Libertação de Portugal (MDLP), Frente de Libertação dos Açores (FLA) e Frente de Libertação da Madeira (FLAMA). Preenchemos o passaporte e um amigo fez um carimbo com uma batata para parecer verdadeiro. Assim embarquei para Salisbúria (actual Harare, capital do Zimbabwe).

JA - Em Portugal participou nos atentados do MDLP e do ELP? 


OC 
- Ajudei a fazer atentados. Mas só atacámos as sedes do Partido Comunista. Ainda tentámos salvar Portugal, mas quando precisámos de um presidente, o general Spínola fugiu para o Brasil. Percebi logo que aquilo não ia dar nada.

JA - António Spínola não era o vosso chefe? 


OC
 - Nunca foi. O ELP foi fundado pelo coronel Santos e Castro. O MDLP foi criado pelo comandante Alpoim Calvão. A FLAMA tinha pouco peso e a FLA não ia a lado nenhum. A CIA pediu-me para ir aos Açores ver se havia possibilidades da independência do arquipélago. Mas isso só era possível se derrotássemos os comunistas. Moscovo estava por trás do 25 de Abril. Eles queriam Portugal na órbita comunista por causa das colónias. Mas percebi logo que não íamos a lado nenhum. Então decidi oferecer os meus préstimos à Rodésia.

JA - Trabalhou com a CIA?


OC - Sim, trabalhei mas só depois do 25 de Abril. Fui aos Açores ver se havia possibilidade de declarar a independência do arquipélago. Os meus contactos foram muito importantes, mais tarde. O meu amigo Daniel Chipenda foi abandonado pelos americanos depois da independência de Angola e eu meti-o na CIA. 

JA - Antes de irmos à Rodésia: qual foi o papel de Mário Soares no Verão Quente? 


OC 
- Serviu-se de nós. Ele queria poder a todo o custo. Apoiou os operacionais do ELP e do MDLP, trabalhou com a CIA, fez tudo o que Carlucci lhe mandou fazer. Quando conseguiu o que queria, abandonou os amigos. É muito parecido com o Savimbi. Por isso, sou capaz de me sentar à mesa com todos, menos com os socialistas.

JA - Qual foi o seu papel na Rodésia de Ian Smith?


OC
 - Organizei as forças especiais, para enfrentarem os guerrilheiros da ZANU. Eu ganhei muita experiência em Angola e acabei por criar “Flechas” na Rodésia. Um ano depois, fui-me embora. Eles tratavam-me como se fosse um criado. Nunca fui tão maltratado. Meti-me num avião e aterrei em Joanesburgo. Viram o apelido Castro no meu passaporte, o meu rosto barbudo e disseram que era um espião cubano. Pedi um rand para telefonar ao brigadeiro Ben Roos. Recusaram. Ofereci dez dólares rodesianos por um rand. Nada. Depois veio um oficial, ouviu a minha história e deu-me um rand para telefonar. Falei com o brigadeiro e ele mandou logo os seus homens tirar-me do aeroporto.

JA - Foi assim que ficou a trabalhar com os sul -africanos? 


OC
 - A minha ideia era essa. Ben Roos disse-me que a África do Sul estava a preparar a batalha final contra Angola e que iam ganhar. Convidou-me para ser o oficial superior de ligação com os homens da UNITA e do Batalhão Búfalo. Aceitei. Mas alertei imediatamente o brigadeiro para a personalidade do Savimbi. Ele já sabia tudo . Foi assim que fui parar a Oshakati, onde montei o comando. E comecei a trabalhar com o pessoal da UNITA.

JA - Quem era o seu contacto? 

OC - Era o senhor Isaías Samakuva, um homem muito apagado e extremamente limitado. Tinha pouco rasgo. Não é fácil trabalhar com pessoas que não percebem nada do que lhe dizemos. Expliquei-lhe que a África do Sul queria que a UNITA servisse de tampão aos avanços da SWAPO. Mas o Savimbi tinha-lhe dito que a UNITA estava a lutar contra os cubanos e os russos e ele repetia esse discurso por tudo e por nada. Mas não tomava qualquer decisão. Quando vejo que hoje é líder da UNITA, fico admirado. Ele não serve para liderar seja o que for. Não tem qualidades.

JA - Nesta altura falou com Jonas Savimbi? 


OC 
- Muitas vezes. Mas ele nada tinha a ver com as operações, os sul-africanos não lhe davam confiança para isso. Em Oshakati e no Rundu só tratávamos de inteligência, de operações militares e de sabotagens. O Savimbi era o político, nada tinha a ver com estas coisas. A base militar principal era na Jamba. Os sul-africanos e os americanos criaram ali aquela estrutura, grande em qualquer parte do mundo. Lá nada faltava. Mas eu estava mais ligado à inteligência e às operações. No início, o objectivo era travar a SWAPO. O Savimbi aceitou as regras, mas cedo mostrou que o seu único pensamento estava no combate ao MPLA para um dia chegar ao poder em Angola. Além de traiçoeiro, ele era de uma ambição sem limites.

JA - Qual era a sua missão? 

OC 
- Fazia tudo. Vezes sem conta fui levar armas e munições à fronteira. Transportei dezenas de feridos. Eles eram retirados de Angola em bicicletas e chegavam à fronteira num estado lastimável. Quase sempre tinham que ser mandados para o Rundu. Quando o Hospital de Ondângua não respondia à gravidade dos feridos, iam para Pretória, para o Hospital Voortekerhoogte. Ali os serviços secretos criaram uma área só para o pessoal da UNITA. Ninguém tinha acesso a essa zona. Médicos, enfermeiros, técnicos e pessoal de apoio eram todos credenciados pelos serviços secretos.

JA - A UNITA usava armas sul-africanas?


OC 
- Nem pensar. A África do Sul não podia arriscar tanto. Montámos um esquema perfeito. Comprávamos armas de origem soviética à Hungria e a UNITA dizia que aquele material era apreendido às FAPLA nos combates. Todas as armas eram soviéticas. Entregávamos o material em Omungwelume, no Marco 14. Ali era o centro logístico. No Rundu tínhamos o grande aeroporto onde chegavam os aviões carregados de material. Nesta altura, também estava activo o Batalhão Búfalo, treinado pelo meu amigo Jan Breytenbach, um grande militar sul-africano. E tínhamos Flechas do Cuando Cubango. Hoje vivem algures na África do Sul, abandonados por todos.

JA - Na Jamba encontrou aqueles políticos portugueses que iam ver Savimbi?


OC - A Jamba era mais para mostrar a organização da UNITA e eu trabalhava como operacional. Ali estavam todos seguros, os aviões da Força Aérea Angolana não tinham capacidade de ir lá bombardear e regressar às suas bases. Os portugueses iam mais para tratar de negócios. Os diamantes e o marfim fizeram muitos amigos à UNITA.

JA - Sabe o que aconteceu com o avião de João Soares?


OC - Claro que sei. O avião era de um grande amigo meu, Joaquim Silva Augusto, comerciante no Rundu. Ele como piloto não era grande coisa. Carregaram os porões com pontas de marfim e com diamantes. Levantaram voo, mas o Augusto não conseguiu aguentar o aparelho no ar. Foi terrível, ficaram todos em mau estado. Foram transportados para o Hospital Verwoerd, onde a minha mulher era enfermeira. Só sabíamos que o Augusto estava gravemente ferido. A minha mulher foi imediatamente para o hospital, mas não encontrou o Augusto, estava a fazer exames de Raios X. Os outros tinham os olhos negros, estavam irreconhecíveis.

JA - Como soube que um dos feridos era João Soares?


OC - A minha mulher soube que os feridos eram todos portugueses. No dia seguinte já encontrou no hospital a mãe e a esposa de João Soares. Ele estava gravemente ferido. O nosso amigo Augusto, também. O tráfico de diamantes e de marfim daquela vez correu mal.

JA - João Soares diz que isso é invenção do Jornal de Angola. 


OC 
- O avião estava cheio de marfim e diamantes. Perguntem ao nosso amigo Augusto, que ele confirma tudo. A UNITA roubava os diamantes em Angola e matava os elefantes. Depois os amigos iam à Jamba buscar o material. 

JA - É verdade que os sul-africanos pediram a Mário Soares apoio à UNITA, em troca de lhe salvarem o filho?

OC
 - Desconheço. O Mário Soares não foi à África do Sul ver o filho ao hospital. Maria Barroso esteve lá muitos dias. A esposa de João Soares também. É uma situação interessante. Eu trabalhava com os sul-africanos na ligação com a UNITA. E Mário Soares apoiava a UNITA em Portugal. Estávamos unidos no mesmo objectivo. Mas para mim, esse homem foi o que de pior aconteceu à minha querida pátria.

JA - Pertencia às Forças Armadas Sul-Africanas?


OC - Trabalhei sempre com a inteligência militar. E sou coronel na reforma da Força Aérea da África do Sul. Fui condecorado. Quando chegou a altura de ir para casa perguntaram-me se queria uma pensão mensal ou se queria receber tudo de uma vez. Preferi o dinheiro todo. Deram-me 100.000 euros. Fui muito bem tratado na África do Sul. Participei nas negociações que conduziram à retirada das nossas tropas de Angola.

JA - Como oficial das forças sul-africanas? 

OC 
- Sim, nessa condição. Era perito em inteligência militar. Reuní-me com os oficiais angolanos e tratámo-nos todos com respeito. Do lado angolano estava gente com muito valor. Retirámos as nossas forças para além do paralelo determinado. Mas a guerra através da UNITA continuou até à Batalha do Cuito Cuanavale. Foi a batalha final. Os angolanos saíram vitoriosos. Tenho de reconhecer que foram heróicos, bateram-se pela pátria deles, como ninguém. São os vencedores.

JA - Tem alguma pensão do Estado Português?


OC - Tenho uma pensão, porque servi Portugal no Exército, na GNR e na PIDE/DGS. Fui condecorado e louvado. Mas agora andam a cortar-me a pensão. Estou muito triste com o presente de Portugal e apreensivo quanto ao futuro. Há demasiada corrupção. Deve ser o país mais corrupto do mundo. Depois as manobras do super capitalismo estão a lançar as pessoas na pobreza.

JA - Como vê as relações com Angola?


OC 
- Também estou apreensivo. A maneira como tratam Angola é revoltante. Há situações de autêntica irresponsabilidade. Mas Angola e Portugal estão condenados a ter boas relações. Espero que todos os problemas sejam ultrapassados. A presença da China em Angola também me preocupa. Se eles não tivessem ambições expansionistas, não tinham um exército tão grande. Aqueles milhões de homens em armas não são apenas para as paradas.


Fonte: Jornal de Angola de 09/Junho/2014

PROJECTO LIBOLO

Estive em Calulo, Libolo, a terra que me viu nascer, como congressista convidado ao Congresso Internacional Linguístico (20° Conferência Anu...