sábado, 7 de março de 2015

Memorias do tempo - O recomeço da guerra em Angola

Fonte: Rui Filipe Ramos in facebook

1992. Setembro/Outubro, há 23 anos, os labirintos da minha vida. Quando um dirigente da UNITA me disse «isto está por horas», eu perguntei-lhe porquê. A resposta: «Nós não vamos ganhar a segunda volta das presidenciais, por isso para nós a solução não passa pelas eleições mas pela via armada, o objectivo é tomar o bairro de Alvalade e o Futungo para prender os ministros». Ante o inexplicável laxismo e a passividade do Governo, horas depois, de repente, como se de uma acção planificada se tratasse, as forças militares da UNITA tomam a Caála e Dombe Grande e exercem uma pressão militar terrível sobre alvos governamentais no Huambo, Bié, Malanje, Mbanza Congo, Luena, Uige, Ndalatando, Lubango, Benguela, Lobito, tomam a Lunda Norte para vender diamantes utilizados na compra de armas e fazem um cerco militar a Luanda, um semi-arco que vai de Mbanza Congo a Malanje, Mussende, Nharea, Andulo e Huambo, com tropas avançadas em direcção a Caxito. As ofensivas militares da UNITA são acompanhadas da prisão e morte dos administradores, polícias, militantes e simpatizantes do MPLA, de quem até hoje ninguém fala, não sei porquê.
O Governo angolano tinha esta posição «esquisita»: não responder à UNITA, fosse o que fosse que ela fizesse, para evitar nova guerra. Por isso nunca fez nada para retirar da posse militar da UNITA, contra os acordos de Bicesse, zonas como Quimbele, Nharea, Likua, Mussende e Jamba, só para falar das mais conhecidas.
No dia 30/9/1992 a UNITA ocupa militarmente diversas embaixadas e residências de diplomatas no bairro Alvalade, em Luanda, onde Jonas Savimbi vivia em luxuosa mansão. O embaixador português António Monteiro tem de «saltar muros» mas a reacção lusa é «não empolar» a situação». Sentindo-se derrotado, Jonas Savimbi declara a 3 de Outubro de madrugada: «O CNE terá de tomar em consideração que todas as suas manobras em números falsificados levarão a UNITA a tomar posição, a qual poderá perturbar profundamente a situação deste país.» Salupeto Pena ameaça com o caos e a catástrofe se os resultados eleitorais forem publicados. Chivukuvuku fala em «somalização» de Angola. Jonas Savimbi manda os generais da UNITA abandonar o exército único nacional para regressarem às FALA. A contra-inteligência da UNITA, generais Uambo e Andrade, está em Luanda. Sean Clearly, o sul-africano branco que dirigia a UNITA na Jamba, também está. O golpe de Estado estava à vista.
Sete dias depois, domingo, dia 10, Salupeto Pena tem em seu poder alguns polícias, que as tropas de elite da UNITA capturaram quando eles iam investigar o rebentamento de uma bomba de madrugada, que eu próprio ouvi, Salupeto ameaça, na Rádio Nacional: «Se o governo tentar libertar os polícias, nós fuzilámo-los.» O Governo parece não ter forças militares, onde estão as FAA? A iniciativa militar é da UNITA em toda a sua totalidade. A seguir a UNITA «condena à morte» a representante da ONU Margareth Anstee. Há dirigentes do MPLA receosos, há quem pense em sair do país, a UNITA militarmente parece toda-poderosa, proíbe a circulação automóvel no bairro Alvalade, o povo critica estas e outras arbitrariedades…
As adormecidas forças militares governamentais acordam nesse mesmo dia 10 da letargia e começam timidamente a reagir à tomada militar do poder pela UNITA.
No dia 10 ao nascer do sol eu estava em frente do Hotel Turismo, em Luanda, onde polícias estavam reféns da UNITA e assisti pessoalmente ao recomeço da guerra, ao fim da manhã. As tropas de elite da UNITA, com boinas vermelhas, cercaram toda a área até ao Baleizão, os «ninjas» estavam expectantes, nos seus veículos de piso baixo, fora do cerco, no antigo largo D. Afonso Henriques.
A guerra recomeçou ali á minha frente, do seguinte modo: a Polícia estava furiosa com a prisão dos seus efectivos pela UNITA. Mantendo-se o impasse, um carro preto com polícias vem do Comando-geral perto da Lello em direcção à então bomba de combustível e vai até perto do Hotel Turismo. As tropas da UNITA reagem e começam a disparar. Sou apanhado pelo fogo cruzado de metralha e morteiros.
Assim que posso, saio do cerco, passo por «adormecidos» «ninjas» e corro para a Rádio Nacional, onde a guarnição militar «estava a dormir». Grito-lhes: a guerra recomeçou, acordem!!! 
A acção militar da UNITA era para vir de Caxito, onde estavam as suas tropas de elite e foi para lá que todos tentaram fugir quando as Forças Armadas Angolanas reagiram. «O MPLA não está a ganhar, o MPLA não pode ganhar as eleições, se ganhar, nem daqui a 50 anos abandona o poder», ouvi na Rádio Vorgan a voz amargurada de Jonas Savimbi na madrugada daquele dia de Outubro de 1992, recusando a segunda volta das eleições presidenciais, uma atitude de fuga que considero não-inteligente e não-própria de um dirigente, que abandonou os seus correligionários em Luanda e fugiu para a mata para desencadear a «guerra maldita» 1992-2002 que culminou com a sua morte. Um erro do Governo: avaliou mal a força militar e as intenções da UNITA, deixando «adormecer» as Forças Armadas Nacionais. Dois erros de Jonas Savimbi: em 1992 abandonou os seus homens em Luanda, eles não gostaram. Em 2002 descalçou as suas botas e foi apanhado descalço. 

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