Os Acordos de Alvor, um nado morto da transição angolana
Por Artur Cussendala
Muitos enaltecem os Acordos de Alvor por simples ignorância histórica ou por conveniência política. Com efeito, os Acordos de Alvor, assinados a 15 de Janeiro de 1975, entre o Governo português e os três principais movimentos de libertação de Angola, a saber: o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), representaram mais um exercício formal de diplomacia do que um verdadeiro compromisso com a unidade nacional.
Ao contrário do que por vezes se afirma, o Acordo de Alvor não consolidou a independência de Angola. Ficou reduzido a um registo histórico de intenções, sem concretização política nem social. A sua fragilidade estava inscrita desde a origem. À mesa de negociações sentaram-se quatro actores: o poder colonial português e os três movimentos de libertação que, meses depois, se envolveriam em confrontos abertos e sangrentos.
A animosidade entre as forças nacionalistas era antiga e insuperável. Desde 1962, o MPLA e a FNLA disputavam influência territorial e reconhecimento político, com a FNLA a controlar o Norte e a interditar a presença do MPLA na zona fronteiriça com o antigo Zaire (actual República Democrática do Congo) e de forma sanguenta. No Leste, a UNITA, então uma força ainda incipiente, mantinha contactos com a PIDE/DGS e beneficiava, em certos momentos, de apoio tácito do sistema colonial, funcionando como instrumento de equilíbrio no tabuleiro político.
Portugal, por sua vez, longe de ser um árbitro neutro, tinha infiltrados nos três movimentos e usava a mesa de Alvor para gerir uma retirada estratégica. A assinatura dos acordos serviu mais para salvaguardar os interesses imediatos de Lisboa e projectar uma imagem de “descolonização exemplar” do que para construir uma base real de coabitação política.
Nenhum dos signatários acreditava verdadeiramente na viabilidade do acordo. Todos possuíam um “plano B” e só assim se explica o recurso a forças estrangeiras nas batalhas antes da independência, uma estratégia alternativa para o controlo do poder no antes e pós-independência. Assim, o fracasso era inevitável. A ruptura deu-se poucos meses depois, quando os três movimentos proclamaram, de forma autónoma e em territórios distintos, as suas próprias independências. Portugal, sem autoridade para gerir a transição e sem presença militar suficiente para garantir a ordem, abandonou precipitadamente o processo, deixando Angola à mercê de uma guerra civil devastadora que só terminou em 2002.
Os Acordos de Alvor enquadram-se, assim, numa longa tradição de tentativas falhadas de pacificação e reconciliação em Angola. Tal como os Acordos de Gbadolite (1989), de Bicesse (1991) ou de Lusaka (1994), Alvor partilhava o mesmo vício de origem: a ausência de confiança entre as partes e a instrumentalização política dos processos de paz.
Por isso, é um erro histórico considerar o Acordo de Alvor como um marco decisivo na consolidação do Estado angolano. Ele foi, na verdade, um nado (nascido) morto, um acto simbólico que antecipou o colapso da convivência política e a eclosão da guerra civil. O verdadeiro ponto de viragem da história contemporânea de Angola só viria quase três décadas depois, com os Acordos de Luena (2002), que finalmente encerraram o conflito armado e inauguraram um período de paz efectiva, ainda que com desafios profundos de reconciliação e coesão nacional. E para lembrar que os acordos do Luena só vincaram porque a paz foi imposta pela força.