ACORDOS PRÉ-ALVOR
Essa é uma parte da história pouco explorada mas fundamental da pré-história dos Acordos de Alvor e relata os encontros nas matas de Angola, realizados ainda sob fogo e clandestinidade, entre 1974 e início de 1975.
Esses encontros não constam, na sua maioria, dos registos oficiais portugueses ou das actas de Alvor, mas são muito citados em relatos orais, memórias de guerrilheiros e arquivos militares angolanos. Eram reuniões separadas, de carácter político e militar, conduzidas por comandantes regionais dos movimentos de libertação e nem sempre com a presença dos líderes máximos, para testar alianças, avaliar forças e sondar posições sobre o futuro pós-colonial.
Aqui vai um resumo histórico rigoroso do que se sabe sobre esses encontros nas matas, divididos por região e contexto político.
Período: Junho a Setembro de 1974
Local aproximado: nas matas entre Lumbala Nguimbo, Luso (actual Luena) e Cazombo
Protagonistas:
Pelo lado português: oficiais da PIDE/DGS e do Comando Militar do Leste, entre eles o coronel Costa Campos
Objectivo: negociar um cessar-fogo local e garantir livre circulação das forças da UNITA no Leste após o 25 de Abril.
Importância:
Estes encontros serviram para a UNITA preservar a sua estrutura militar e consolidar o controlo do planalto central, preparando-se para o pós-colonial.
Savimbi sabia que Portugal se retiraria e usou essas conversas para obter armamento e legitimidade junto das autoridades coloniais locais.
Resultado:
Um acordo tácito de não agressão foi alcançado com os portugueses, o que permitiu à UNITA movimentar-se livremente no Moxico e no Bié até finais de 1974.
Período: Maio a Agosto de 1974
Local: zonas de Maquela do Zombo, Sanza Pombo e Damba
Protagonistas:
Pelo lado português: oficiais da 1ª Região Militar (Carmona)
Objectivo: definir linhas de desmobilização e troca de informações sobre a posição do MPLA e de tropas portuguesas.
Importância:
A FNLA, com forte apoio do regime de Mobutu e dos EUA, não confiava no MPLA e preferia negociar separadamente com Lisboa.
Nesses encontros, ficou acordado que as forças da FNLA poderiam deslocar-se para o interior, o que explica a rápida presença do movimento em Luanda nos primeiros meses de 1975.
Resultado:
A FNLA conseguiu acesso logístico a várias cidades do Norte e iniciou o transporte de armas vindas do Zaire, com anuência tácita de oficiais portugueses locais.
3. As matas do Kwanza Norte e Malanje – contactos entre o MPLA e tropas coloniais
Período: Julho a Setembro de 1974
Protagonistas:
Pelo lado português: oficiais do Exército destacados de Luanda e de Malanje
Objectivo: discutir o cessar-fogo regional e preparar o retorno seguro dos quadros do MPLA a Luanda.
Importância:
O MPLA aproveitou esses encontros para negociar posições militares estratégicas e garantir o controlo da capital no momento da retirada portuguesa.
Rosa Coutinho, que chegou a Angola em Julho de 1974 como Alto-Comissário, incentivou esses contactos com a esperança de estabilizar o território antes da descolonização.
Resultado:
A presença do MPLA em Luanda e no eixo Cuanza Norte–Malanje consolidou-se logo no início de 1975, resultado directo dessas negociações discretas.
4. Encontros secretos entre guerrilheiros nas tentativas falhadas de aproximação entre movimentos
Período: Outubro – Dezembro de 1974
Locais: matas do Bié (entre Camacupa e Andulo) e do Moxico
Protagonistas:
Pequenos destacamentos de guerrilheiros da UNITA e do MPLA, com alguns observadores civis da FNLA, enviados sob mediação da Igreja Católica e de representantes locais da Cruz Vermelha.
Objectivo: testar a possibilidade de cessar-fogo entre movimentos angolanos, antes da conferência de Alvor.
Resultado: fracasso total.
A desconfiança era profunda, as diferenças ideológicas intransponíveis. Em vários casos, as patrulhas enviadas para o diálogo foram emboscadas.
Esses episódios confirmam que as “matas” eram já o verdadeiro cenário diplomático de Angola, antes mesmo da conferência de Alvor.

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