quarta-feira, 9 de julho de 2025

Crônicas avulsas


Nos últimos dias, o caminho levava-nos à Má Vida/Bananeiras, um bairro encaixado entre o Cazenga e o Cacuaco, onde as fronteiras entre o abandono e a sobrevivência já não se distinguem. O dia começava com um café apressado numa loja de conveniência encostada a uma bomba de combustível. Daí para frente, só com viatura off-road. As estradas, se é que ainda merecem esse nome, são um mosaico de buracos, águas lamacentas e terra batida. Tudo isso no coração da capital.

Ali, a criminalidade não é apenas uma ameaça: é uma estrutura paralela. A polícia é figura decorativa, limitada e temida não pela força, mas pela impotência. Moradores contam que a situação "melhorou ligeiramente" depois que algumas "almas daninhas" foram varridas a sete palmos e meio debaixo da terra, mas os avisos persistem: nada de ostentar, nada de exibir telemóveis. O ideal é caminhar calado, de fones nos ouvidos e olhos nos becos.
A pobreza é brutal. Escorre pelas paredes, atravessa os quintais e sussurra nos rostos das crianças com olhos fundos. Mas não fomos lá por acaso. A morte de um ente querido chamou-nos, como um dever inadiável. Em momentos assim, a geografia deixa de importar. Só a dor orienta o percurso.
Luanda é uma cidade de muitas peles. A governação desenha-se em círculos concêntricos, onde o centro brilha à custa da penumbra nas bordas. Para quem vive no asfalto, os bairros suburbanos são apenas coordenadas no GPS. Mas quem os pisa, sabe que há duas Luandas. Uma que se mostra, e outra que se esconde. A que se vê nos outdoors, e a que se vive nas valas com cheiro doce e enjoativa da liamba de Malanje.

Sem comentários:

Enviar um comentário

  O SACO DE KUMBÚ QUE NÃO ME ACHOU Diz o comunicado do SIC de hoje sobre dois russos que andavam a fazer turismo criminal por Angola: "...