O Conflito Pós-Eleitoral de 1992
Por Artur Cussendala
As eleições gerais de 1992 em Angola representaram uma promessa de transição democrática após décadas de guerra civil. No entanto, os acontecimentos que se seguiram, especialmente em Luanda, demonstraram que o país ainda estava longe da reconciliação. Este texto procura descrever, com base em testemunho pessoal e dados disponíveis na internet, os episódios mais marcantes desse período, com especial atenção ao colapso da segurança na capital e à resposta popular à ofensiva da UNITA.
Após os Acordos de Paz de Bicesse (1991), firmados entre o Governo do MPLA e a UNITA sob mediação da ONU e de potências internacionais, previa-se a desmobilização das forças armadas das duas partes e a criação de Forças Armadas Angolanas (FAA) unificadas. Contudo, a integração foi incompleta. A UNITA manteve estruturas militares paralelas e utilizou o processo de desmobilização como cortina para conservar e reposicionar as suas forças sob o olhar cúmplice das forças de manutenção de paz da ONU.
Os resultados provisórios das eleições presidenciais de setembro de 1992 deram vitória ao MPLA e seu candidato José Eduardo dos Santos, mas Savimbi recusou-se a aceitá-los, alegando fraude. A tensão aumentou drasticamente em Luanda com ameaças públicas por parte de emissários da UNITA, que diziam que Angola se transformaria numa “nova Somália” caso os resultados fossem publicados.
Os confrontos começaram de forma coordenada. Um paiol da Força Aérea foi atacado, e a base aérea n.º 1 sofreu danos. Relatos apresentados na televisão pública mostraram execuções sumárias de estrangeiros e civis no Cassenda — creio, cidadãos portugueses e suas acompanhantes — numa atmosfera de terror psicológico. Pequenos destacamentos armados da UNITA, disfarçados de civis ou integrados em “comités pilotos”, intimidavam bairros inteiros, ostentando armamento e boinas vermelhas.
Enquanto isso, os órgãos de segurança estavam enfraquecidos. As FAPLA haviam sido dissolvidas, as FAA recém-criadas estavam desorganizadas, e a polícia encontrava-se em colapso funcional, com exceção da recém-formada Polícia de Intervenção Rápida (PIR). É um dos generais desertores, estava próximo de Luanda, tomando Caxito a capital da província vizinha do Bengo.
O estopim ocorreu, segundo testemunhos, creio numa sexta-feira. Um veículo GMC com comandos da UNITA abriu fogo no Largo do Rio de Janeiro contra forças policiais, nas imediações do bairro Cassenda. Simultaneamente, outra patrulha da UNITA desobedeceu a uma ordem de paragem policial na Avenida 1⁰ Congresso do MPLA e dirigiu-se ao Hotel Turismo, onde se encontravam quadros seniores da UNITA, desencadeando ali uma troca de tiros com as forças policiais na 1ª esquerda - Comando da PNA.
A cidade respondeu com inesperada resistência. A população, previamente alertada e armada na véspera, reagiu com violência. Centenas ou milhares de antigos combatentes desmobilizados e voluntários civis formaram barricadas por toda cidade, montaram vigílias e expulsaram ou aniquilaram os comandos da UNITA, que, apesar do seu armamento moderno, desconheciam o terreno urbano e falharam em coordenar os ataques ou no mínimo, foram apanhados em contra mão. O maior receio era a presença de unidades de 'comandos castrados' que se encontravam na quinta de Salupeto Pena algures em Viana.
A resistência urbana, que durou entre dois ou três dias, resultou na derrota dos comandos infiltrados da UNITA em Luanda. Contudo, a vitória militar deu lugar a um novo problema: a violência generalizada e descontrolada. Houve linchamentos, ajustes de contas e perseguições por meras suspeitas.
Falar umbundu, ler o jornal Terra Angolana ou, sob influência do álcool, criticar as políticas desastrosas do MPLA — tudo isso podia resultar em morte sumária. Infiltraram-se no caos indivíduos movidos por vingança, ganância ou desejo de se apropriar de bens alheios. Em certos bairros, a violência assumiu contornos de limpeza étnico-política, saques e desordem e a maioria das vítimas mortais foi destes saqueadores e desordeiros.
Dizer que “não houve luta, apenas assassinatos” é uma injustiça histórica. Houve sim confronto militar e resistência organizada contra um plano clandestino de desestabilização. Mas é igualmente verdadeiro que muitos inocentes morreram por factores alheios ao conflito directo.
A crise de 1992 revelou não apenas as fragilidades do Estado angolano, mas também a impreparação da comunidade internacional, incluindo a ONU, que falhou em prevenir a infiltração de forças armadas ilegais em plena capital. O medo, alimentado por ameaças públicas de Savimbi e seus emissários, encontrou terreno fértil num país ainda dividido, onde os traumas da guerra não tinham sido curados.
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É possível que possa ter cometido alguma imprecisão, mas o Abel Chivukuvuku poderia ser um pouca mais honesto na sua abordagem.
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