PARA SER SINCERO, ESTOU PREOCUPADO
O avanço da Inteligência Artificial e a força crescente das redes sociais no ecossistema informativo de Angola trouxeram um novo dilema político, porém, como equilibrar liberdade de expressão, combate às fake news e defesa da democracia, sem transformar a regulação em instrumento de censura?
No último Conselho de Ministros e ontem no Conselho da República, as autoridades demonstraram preocupação com o impacto destas tecnologias na
política e na estabilidade social. Tudo indica que, em breve, Angola poderá adotar leis para regular o uso da IA e das plataformas digitais. A justificativa oficial é a protecção contra desinformação, discurso de ódio e manipulação política, mas a experiência histórica do país sugere que este debate não é neutro.
Desde a independência, a comunicação de massas em Angola foi estruturada sob forte centralização estatal. Durante o período de partido único, a imprensa pública ( Jornal de Angola, TPA e Rádio Nacional), funcionava como principal canal de informação e como ferramenta de legitimação do poder. Mesmo com a abertura política dos anos 1990, surgiram meios privados, mas as barreiras à independência jornalística mantiveram-se, seja por regulação, seja por pressão política. Com o crescimento da internet e sobretudo, das redes sociais a partir de 2010, o monopólio narrativo do Estado começou a enfraquecer. Plataformas como Facebook e WhatsApp tornaram-se espaços onde cidadãos comuns passaram a divulgar denúncias, mobilizar protestos e desafiar a narrativa oficial, frequentemente antes que a imprensa estatal reagisse. Esse fenómeno ficou visível nas manifestações de jovens activistas, nas eleições de 2017 e 2022 e nas denúncias de corrupção que ganharam repercussão online sem depender do filtro dos media tradicionais.
Agora, a Inteligência Artificial adiciona uma nova dimensão ao problema. Ferramentas capazes de gerar imagens, áudios e vídeos falsos com alto realismo, os chamados deepfakes, tornam mais fácil manipular a opinião pública. Num contexto político sensível, é possível criar discursos inteiros de candidatos, provas falsas de crimes ou distorções históricas e disseminá-los em segundos. Este perigo é real e não exclusivo de Angola, mas a resposta regulatória, se mal desenhada, pode ser pior do que o problema. Leis vagas ou excessivamente amplas podem servir para silenciar críticos e criminalizar conteúdos legítimos sob a alegação de serem “falsos” ou “perigosos”.
A experiência recente de outros países africanos serve como alerta. Uganda aprovou leis contra “uso indevido das redes sociais” que foram usadas para prender jornalistas e opositores. A Tanzânia obrigou blogueiros e criadores de conteúdo a pagar licenças caras, restringindo vozes independentes. A Zâmbia criminalizou a difusão de “fake news” sem definir critérios claros, permitindo interpretações políticas. Em todos esses casos, a narrativa oficial era “proteger a democracia”, mas o efeito prático foi reforçar o controlo político sobre a esfera digital.
O desafio para Angola é evitar que a luta contra a desinformação se torne apenas um pretexto para o reforço do controlo estatal sobre o debate público. É preciso criar mecanismos transparentes, com supervisão independente, que combatam efectivamente a manipulação digital sem sufocar a pluralidade de vozes. A democracia moderna exige que a informação circule livremente, mesmo quando desconfortável ao poder. Redes sociais e Inteligência Artificial são ferramentas poderosas que tanto podem fortalecer a cidadania como ser usadas para controlá-la. O futuro democrático de Angola dependerá de como essas ferramentas serão reguladas e, principalmente, de quem terá a última palavra sobre o que é verdade ou mentira.