quinta-feira, 29 de maio de 2025

 Carta Aberta: Em nome do mérito e da verdade



Ao acompanhar a divulgação dos nomes que irão receber honrarias por ocasião dos 50 anos de Independência de Angola, sinto-me compelido a partilhar uma reflexão que nasce, não da vaidade, mas da consciência do que representei — e continuo a representar — na construção desta Nação.


Durante décadas, servi Angola com dedicação e coragem, tanto nas forças de de defesa e segurança, onde enfrentei riscos de vida reais, como no setor civil, onde abracei causas maiores que o conforto pessoal. Dormi inúmeras vezes em viaturas para garantir, com o rigor técnico necessário, o sucesso de varios processos eleitorais cruciais para a nossa democracia. Fui ainda pioneiro na instalação da Internet a nível nacional — uma transformação silenciosa, mas de impacto profundo para o progresso e modernização do país.

Não busquei protagonismo, apenas cumpri, com zelo e patriotismo, as missões que me foram confiadas. Talvez a minha maior “falha”, aos olhos de alguns, tenha sido nunca ter pertencido ao partido que sustenta o regime mas militei nas suas organizações juvenis. Mas acredito e continuarei a acreditar que servir Angola deve ser critério suficiente para reconhecimento, independentemente de filiações políticas.

Não escrevo estas linhas em busca de reparações, mas em nome do mérito, da memória e da justiça. Que, ao celebrarmos 50 anos de independência, possamos também celebrar todos aqueles que, no silêncio ou nas sombras, deram o melhor de si por esta pátria.

Com respeito e esperança,
Artur Graça Cussendala
Funcionário público Reformado

terça-feira, 27 de maio de 2025

 

É, no mínimo, intrigante a ausência do Presidente de Angola no desfile do Dia da Vitória na Rússia. Ainda mais depois de ter aceitado o convite pessoal de Vladimir Putin em 2024. Para um líder conhecido por não perder uma boa oportunidade de viajar — às vezes sem que o país perceba qualquer retorno prático —, essa recusa de última hora chama atenção.

O que terá motivado essa mudança repentina?
Será que Angola está, discretamente, tentando alinhar-se ao bloco ocidental no conflito da Ucrânia? Ou teria sido o desconforto de dividir espaço com figuras como Ibrahim Traoré, do Burkina Faso, que também tem sido presença constante nas agendas russas?
É bom lembrar que os laços históricos entre Angola e a Rússia são profundos. Durante décadas, Moscovo foi um dos principais aliados do país — politicamente, militarmente e até academicamente. O próprio Presidente foi formado na então União Soviética. Recusar um convite simbólico como esse, ainda mais em tempos tão sensíveis, pode ser interpretado como uma mudança de rota diplomática.
Seja como for, a ausência não passou despercebida. E, vindo de quem vem, talvez diga mais do que qualquer discurso oficial.
08 MAI 3025

 A Diplomacia Angolana à Deriva

Por Artur Cussendala - Cusse Ndala

A ausência do Presidente João Lourenço nas comemorações do Dia da Vitória em Moscovo, um evento emblemático para a diplomacia internacional e para os aliados tradicionais da Rússia, revela muito mais do que uma simples escolha de agenda. É um sintoma de uma diplomacia fragilizada, hesitante e cada vez mais isolada no palco global.
O Presidente preferiu ligar ao seu homólogo do Azerbaijão — que estava precisamente em Moscovo — para falar de cooperação. A coincidência geográfica não passa despercebida. Teria sido uma tentativa indirecta de se fazer notar por Vladimir Putin? Em seguida, embarcou numa visita à Índia, que muitos interpretam como uma jogada para persuadir Narendra Modi a interceder junto da liderança russa. O gesto é revelador: Angola parece não conseguir mais falar directamente com os parceiros que antes tratava como estratégicos.
Este quadro expõe um momento de depressão diplomática profunda. A virada no xadrez geopolítico mundial agravou-se com o regresso de Donald Trump ao centro das decisões, trazendo incerteza e instabilidade às relações multilaterais. O Ocidente não conseguiu conter Putin na Ucrânia, e a influência russa continua firme. Ao mesmo tempo, a China dá sinais claros de desagrado com Angola. O convite para o Fórum de Cooperação China-África (FOCAC) nunca chegou, um gesto simbólico que não pode ser ignorado.
Agora, há rumores de um novo convite à nossa diplomacia, mas a confirmação oficial não veio. E, num momento tão delicado, o embaixador de Angola na Rússia parece estar ausente do país.
A diplomacia angolana vive dias de perplexidade. O país que, outrora, mediava conflitos regionais e se sentava à mesa com potências globais, hoje parece hesitar diante dos grandes dilemas da política externa. O silêncio torna-se ensurdecedor. E a ausência nos lugares-chave é mais eloquen
te do que qualquer discurso.
Se Angola quiser recuperar relevância internacional, precisará mais do que manobras de bastidores. Precisará de clareza estratégica, presença firme e coragem diplomática.

Artur Cussendala é angolano, analista independente e observador atento da política internacional e da diplomacia africana, gere um canal de informação #angolaeomundoaominuto. Com uma experiência de mais de 35 anos de serviço público, escreve regularmente sobre os rumos políticos e estratégicos de Angola no contexto global.


África, o Vaticano e o Papa que nunca virá: Pela construção de uma igreja africana autônoma

Por Artur Cussendala
Ao longo da história do cristianismo, especialmente dentro da Igreja Católica Apostólica Romana, o papa tem sido tradicionalmente europeu — sobretudo italiano. De 266 papas ao longo de dois milênios, nenhum foi africano negro. Alguns papas do norte da África (como São Vítor I e São Gelásio I) viveram nos primeiros séculos do cristianismo, mas eram provavelmente berberes romanizados, não africanos negros de origem subsaariana. Isso levanta uma pergunta incômoda, mas necessária: há espaço para um papa negro na Igreja Romana?
Embora o cristianismo tenha florescido em África desde os seus primórdios, o continente continua relegado a posições marginais no centro de poder do Vaticano. A pergunta que ressoa, especialmente entre os fiéis africanos, é inquietante: por que, após dois mil anos de cristianismo, nunca houve um papa negro?
Com o símbolo da "fumaça branca" como anúncio do novo pontífice, permanece o paradoxo: nenhuma fumaça será verdadeiramente branca enquanto a exclusão persistir.
Desde a sua estrutura fundacional, a Igreja Católica concentrou o seu poder espiritual e político na Europa. A Cúria Romana, o Colégio de Cardeais, as Congregações e demais órgãos decisórios são, em sua maioria, compostos por membros europeus ou educados segundo a tradição teológica ocidental.
Apesar de contar com milhões de fiéis africanos — muitos dos quais vivem a fé com mais intensidade que os europeus secularizados — a África permanece representada de forma simbólica e raramente influente.
A evangelização da África foi frequentemente realizada em paralelo com os processos coloniais. A fé cristã, longe de ser neutra, tornou-se instrumento de destruição de culturas locais, línguas, espiritualidades ancestrais e modos de vida. A fé ensinada vinha acompanhada de uma mensagem implícita: salvação exige submissão.
Esse passado não pode ser ignorado quando se analisa a estrutura da Igreja hoje. A ausência de um papa africano é mais que acaso: é continuidade de um projeto histórico de dominação espiritual.
Diante deste quadro, é legítimo e urgente propor a criação de uma Igreja Católica Africana independente, com sua própria hierarquia, teologia, ritos e liderança espiritual. Uma igreja que:
- valorize a cultura africana como expressão legítima da fé;
- dialogue com tradições espirituais locais sem demonizá-las;
- forme seus próprios teólogos e líderes espirituais com base em realidades africanas;
- escolha o seu próprio chefe — um papa africano — que fale por e para os africanos.
Não se trata de cisma ou revolta, mas de autonomia e maturidade espiritual.
A construção de uma igreja africana enfrentará desafios: resistência interna (de membros apegados ao Vaticano), rejeição externa (por parte da Santa Sé) e o dilema da unidade da fé. No entanto, a história mostra que toda reforma começa com ruptura e coragem.
África precisa de uma igreja que cante com suas vozes, ore com seus ritmos, chore suas dores e celebre sua esperança. Um papa africano só surgirá quando a África decidir não esperar mais pelo fumo branco de Roma, mas acender sua própria chama.
A representatividade importa. O poder importa. A fé importa. A ausência de um papa negro não é um simples detalhe simbólico — é sintoma de uma estrutura desigual. Para curar essa ferida, talvez a solução não esteja em lutar por espaço no Vaticano, mas em construir um novo altar, sobre solo africano, com pedra africana e espírito africano.

10 MAI 2025
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Referências bibliográficas:
Mbiti, John. African Religions and Philosophy.
Tshaka, Rothney. African Theology and the Decolonization of the Christian Mind.
Vatican Archives: List of Popes.
Mudimbe, Valentin-Yves. The Invention of Africa.

 AS MARCAS DE UM DITADOR

Esta imagem tem circulado nas redes sociais e mostra o presidente do Gabão em visita a uma zona afectada pelas intensas chuvas, caminhando pessoalmente pelas águas lamacentas. Para mim, trata-se de um gesto claramente populista, típico de certos líderes africanos que preferem encenar empatia em vez de promover mudanças estruturais. É preocupante ver esse tipo de atitude ser usada como espetáculo político, enquanto se constrói um caminho que pode levar à perpetuação no poder — como já vimos com outros regimes autoritários no continente.
Em vez de colocar tantas pessoas em risco num cenário desses, o presidente deveria concentrar-se na criação de políticas públicas eficazes que mitiguem os impactos desses desastres. É urgente investir na melhoria dos serviços de bombeiros e proteção civil, e implementar um plano nacional de gestão de catástrofes climáticas, com foco em prevenção, resposta rápida e apoio às populações afectadas. Liderança responsável exige mais acção concreta e menos encenação.
12MAI 2025


A Neth Nahara, desde que descobriu ser seropositiva, mergulhou num turbilhão de emoções contraditórias. Ao invés de procurar apoio e enfrentar a nova realidade com responsabilidade, ela decidiu seguir um caminho perigoso: o da negação e do ressentimento. Convencida de que alguém deveria pagar pelo seu estado de saúde, começou a agir de forma impulsiva, procurando a todo custo encontrar um culpado pela sua condição.

O comportamento da Neth tornou-se cada vez mais hostil. Ela passou a ignorar normas básicas de convivência, desrespeitando familiares, amigos e até as autoridades. Sua rebeldia não é silenciosa — pelo contrário, ela faz questão de registar tudo em vídeos ou a certeza que está a ser filmada. Pública conteúdos provocativos nas redes sociais, muitas vezes explorando temas sensíveis e expondo situações privadas, apenas para gerar engajamento e atrair a atenção do público.
A vaidade e o desejo por visibilidade digital cresceram a tal ponto que a Neth parece mais preocupada em conseguir monetização para os seus vídeos do que em cuidar de si mesma ou dos outros. Suas acções irresponsáveis colocam em risco não apenas sua própria saúde, mas também a daqueles que a rodeam.
O que poderia ser uma jornada de superação e consciencialização transformou-se num espetáculo de autodestruição transmitido em tempo real — e, para ela, quanto mais visualizações, melhor. Num mundo em que os "likes" se tornaram moeda emocional, a Neth optou por vender a sua dor como entretenimento, esquecendo que por trás de cada curtida, há vidas reais sendo afectadas.
QUAL É A SUA OPINIÃO?
11MAI 2025

A Ilusão do Aumento Salarial: Quando o Estado dá com uma mão e tira com as duas - Por Artur Cussendala

Recentemente, sob forte pressão sindical, o Estado angolano decidiu aumentar em 25% os salários da função pública. À primeira vista, esta medida pareceu uma vitória dos trabalhadores e um gesto de sensibilidade governamental diante da crescente carestia. No entanto, a realidade mostrou-se bem diferente. Logo após o anúncio do aumento, o preço do litro de gasóleo disparou de 160 Kz para 300 Kz, provocando um efeito cascata sobre os preços de praticamente tudo, especialmente nos transportes e nos bens essenciais.
Como se não bastasse, veio a notícia de que as tarifas de água e electricidade poderão sofrer aumentos de até 35%. Assim, a pergunta impõe-se: o que sobrará dos 25% de aumento salarial? Na prática, quase nada. O suposto benefício foi rapidamente engolido por uma espiral de aumentos que reduziram ainda mais o poder de compra da maioria dos cidadãos.
E os reformados? Estes continuam a ver suas pensões estagnadas, enquanto o custo de vida dispara. E os trabalhadores das pequenas empresas privadas? Estes nem sequer tiveram o “luxo” de um reajuste salarial. Estão a viver a mesma inflação, mas com os mesmos rendimentos. Isso não é só injusto – é cruel.
O que mais choca, no entanto, é a passividade com que a sociedade angolana assiste a tudo isso. Não há manifestações, não há debates públicos sérios, não há pressão organizada. A sensação é de resignação, como se tudo fosse normal. Mas não é.
Não é normal trabalhar o mês inteiro e não conseguir pagar contas básicas. Não é normal ver o Estado anunciar um aumento salarial e, ao mesmo tempo, implementar medidas que destroem qualquer ganho. Não é normal que os reformados sejam abandonados enquanto o custo de vida sobe descontroladamente. E não é normal que o povo aceite tudo isso em silêncio.
É urgente despertar. O silêncio da população é interpretado como consentimento. Se queremos justiça económica, precisamos participar, questionar, exigir. Só assim podemos mudar o rumo deste ciclo de ilusão e sacrifício.
16MAI 2025

 Abel Chivukuvuku e as versões da UNITA: um sonho adiado ou estratégia contínua?

Por Artur Cussendala - 19MAI 2025

Abel Chivukuvuku é, possivelmente, o mais notável ideólogo que a UNITA já produziu. Mais do que um simples dirigente, foi o arquiteto dos serviços de inteligência do partido - a famigerada e temida BRINDE - detentor de um profundo conhecimento sobre os seus activos e passivos — humanos, organizacionais e estratégicos. No entanto, esse capital político e intelectual nem sempre foi devidamente reconhecido ou compreendido pelos seus próprios camaradas ou maninhos como queiram.
Talvez por isso Chivukuvuku tenha optado por não se envolver nas batalhas internas do partido. Conhecendo bem as suas fragilidades, preferiu não alimentar confrontos que poderiam desgastar ainda mais a organização. Em vez disso, decidiu traçar um caminho paralelo, criando alternativas que, embora fora da estrutura formal da UNITA, carregavam claramente o seu ADN político.
Assim nasceu a CASA-CE, que muitos interpretaram como uma “UNITA v0.2”: um projeto reformulado, mas ainda assim enraizado no mesmo universo ideológico. Para este novo movimento, Chivukuvuku levou consigo — ou teve emprestados — vários quadros da UNITA. Quando o projeto mostrou sinais de esgotamento, esses mesmos quadros regressaram ao seio da “UNITA v0.1” sem máculas.
Persistente e coerente com os seus objectivos, Chivukuvuku não desistiu. Impedido de regressar à UNITA e vendo o lugar de liderança ocupado por Adalberto Costa Júnior — o luso-angolano que se consolidou como rosto da oposição —, optou por fundar um novo projeto político: o PRA-JA Servir Angola. Uma iniciativa que pode bem ser chamada de “UNITA v0.3”, pois apesar da nova roupagem, continua a refletir o seu ideal de uma oposição forte, nacionalista e transformadora.
Curiosamente, apesar de todas essas cisões, Abel Chivukuvuku nunca atacou e não atacará publicamente a UNITA. E há uma razão clara para isso: o seu sonho maior ainda é liderar o partido que o viu crescer — e, por meio dele, alcançar a presidência da República. Em sua mente, desvincular-se definitivamente da UNITA significaria romper com esse sonho. E talvez, se isso acontecer, a própria UNITA também perca parte significativa da sua razão de existir.
A trajetória de Chivukuvuku não é apenas a de um político resistente, mas a de um estratega que nunca largou o seu plano inicial. O país talvez ainda não tenha compreendido completamente a dimensão desse projecto.

 A Diplomacia da Submissão (ou como ser humilhado com gravata e sorriso nos lábios)

Por Artur Cussendala

É sempre um espetáculo — trágico, mas digno de pipoca — ver certos presidentes africanos desfilarem pelo mundo como mascotes bem treinados do Ocidente. A última performance foi de Cyril Ramaphosa, que se apresentou na mítica Sala Oval com ares de estadista... e saiu de lá com um puxão de orelha público, acusado, veja só, de compactuar com um “genocídio dos boeres”. Bem-feito. Quem mandou ir bajular Trump como quem vai pedir bênção ao padrinho branco?
A cena foi tão desconfortável quanto previsível: Ramaphosa, ali, vestido de dignidade emprestada, tentando explicar o inexplicável, enquanto Trump, com seu habitual ar de “não sei onde fica a África, mas sei mandar nela”, o engoliu com garfo e faca — sem precisar levantar a voz. E o pior? Com câmaras a captar tudo, para que o mundo inteiro pudesse rir em alta definição.
E por que não? Zelensky já teve seu momento de marionete, mexendo os braços enquanto outros puxavam os fios. Agora é a vez de líderes africanos entrarem no teatro da diplomacia humilhante — aquele em que o roteiro é escrito em Washington, mas os actores vêm de países colonizados.
Confesso: adoraria ver o nosso presidente — sim, o incansável “campeão da paz” — a fazer a mesma romaria. De preferência, com a bandeira nacional debaixo do braço e um discurso cheio de elogios vazios ao “grande parceiro americano”. Seria um número e tanto: ele, todo sorridente, a acenar como quem vai ao FMI buscar uma esmola com laço dourado. E claro, levaria também aquele ar de “estou aqui para cooperar”, que é como se diz “podem mandar” em linguagem diplomática.
Mas atenção: não é só ele. É toda uma geração de líderes que confundem diplomacia com obediência, cooperação com vassalagem, e reuniões bilaterais com audiências de súplica. A diferença entre um estadista e um subalterno está no pescoço: o primeiro mantém a cabeça erguida. O segundo vive de chapéu na mão.
E nós? Nós é que ficamos com a vergonha de ver os nossos representantes tratados como figurantes num palco onde a soberania é apenas decorativa.

 Angola e o Desafio da Oposição: Uma História de Desunião

Por Artur Cussendala
A política angolana continua a ser palco de surpresas e contradições, especialmente no campo da oposição. Nas últimas eleições gerais, a UNITA, sob a liderança de Adalberto Costa Júnior, formou uma aliança informal — a Frente Patriótica Unida (FPU) — que trouxe novo fôlego à esperança de alternância no poder. Essa frente reuniu três forças: a própria UNITA, o Bloco Democrático e o então projeto político PRA-JA Servir Angola, de Abel Chivukuvuku.

O resultado foi histórico: a oposição conquistou 90 assentos parlamentares, o melhor desempenho desde o fim do monopartidarismo. Parecia o início de uma nova etapa.
Mas a promessa não durou. O PRA-JA tornou-se oficialmente um partido e, ontem no seu congresso constituinte, anunciou sua saída da FPU. Chivukuvuku, figura carismática e ex-dirigente da UNITA, rompeu com o projeto colectivo que ajudou a construir. Com isso, a aliança perde um dos seus pilares e a oposição volta, na prática, à estaca zero — desunida, dispersa e a disputar o mesmo eleitorado.
O Bloco Democrático, embora ainda formalmente ligado à FPU, tem presença reduzida e dificuldade de mobilização em escala nacional. Sozinha, a UNITA carrega um peso que, nas actuais condições, dificilmente será suficiente para provocar mudanças reais.
Enquanto o poder se consolida no partido dominante, a oposição parece presa aos seus próprios dilemas internos. As disputas de protagonismo, os projetos pessoais e a falta de uma estratégia comum continuam a minar qualquer possibilidade séria de alternância.
A grande questão permanece no ar: quando é que a oposição angolana vai entender que, dividida, não vai a lugar nenhum?

 DOIS MACHOS ALFA - O FIM DA CASERNA (FPU)


Por Artur Cussendala
A UNITA cometeu um erro de cálculo ao trazer Abel Chivukuvuku para um projeto conjunto conhecendo eles quem ele é. Só há duas hipóteses: ou subestimaram a sua ambição e inteligência combativa, ou imaginaram que o seu projecto político nunca seria aprovado e que ele estaria condenado a permanecer atrelado à coligação, como única via para manter a relevância política que tanto precisa.
Enquanto isso, no MPLA, não faltam estrategas com visão de longo alcance. Perceberam que o verdadeiro ponto fraco da coligação era a sua informalidade. Assim, facilitar a legalização do PRA-JA Servir Angola foi um golpe de mestre: ao invés de travar o projeto, aceleraram o seu reconhecimento legal, provocando uma rutura previsível. Criaram, com isso, um divórcio político quase inevitável, enfraquecendo o bloco opositor desde dentro — e sem disparar um único tiro.

E o cartoon descreve melhor que qualquer discurso.

 


Só mesmo em Angola! Um político apanhado com uma caixa térmica cheia de dinheiro — cena digna de filme — e o desfecho? Nada de prisão, nada de julgamento e como recompensa, virou deputado na Assembleia Nacional.

Hoje, Abel Chivukuvuku desfila como líder partidário, como se nada tivesse acontecido. Prestes a candidatar-se a Presidente da Republica em 2027.
A tal "arca azul"... teatro para entreter quem, afinal?

Eu também "quero ser politico tipo o ManManico", plagiando Teta Lágrima.

 O 27 de Maio de 1977

O fracassado golpe de estado do 27 de Maio de 1977 em Angola, liderado por uma facção dissidente do MPLA, resultou em uma repressão severa e deixou marcas profundas na história do país. Abaixo estão cinco testemunhos de diferentes pessoas envolvidas ou afetadas pelo evento:



1. Nito Alves: Um dos líderes do golpe, Nito Alves, era ministro da Administração Interna e representava a ala radical do MPLA. Ele e seus seguidores acreditavam que o governo de Agostinho Neto estava traindo os ideais da revolução ao se aproximar da União Soviética e afastar-se das massas populares. Em seu testemunho, Alves declarou que seu objetivo era corrigir o rumo do MPLA, que, segundo ele, estava se afastando dos princípios marxistas-leninistas.

2. Agostinho Neto: O presidente de Angola na época, Agostinho Neto, respondeu ao golpe com medidas drásticas. Em um discurso logo após o fracasso do golpe, Neto afirmou que o movimento liderado por Nito Alves era uma tentativa de desestabilizar o país e um ato de traição contra a revolução angolana. Ele justificou a repressão subsequente como necessária para proteger o estado e os ideais revolucionários.

3. José Van-Dúnem: Outro líder do golpe, José Van-Dúnem, era um alto funcionário do MPLA e companheiro de Sita Valles, uma figura também associada ao golpe. Van-Dúnem foi preso e executado durante a repressão que se seguiu. Seu testemunho, capturado em documentos e relatos antes de sua morte, refletiu uma desilusão com a liderança do MPLA e uma convicção de que mudanças eram necessárias para manter viva a revolução.

4. Sita Valles: Uma ativista política e militante do MPLA, Sita Valles foi acusada de ser uma das mentoras intelectuais do golpe. Em cartas e declarações antes de sua captura e execução, Valles denunciou a crescente burocratização e repressão dentro do MPLA. Ela defendia uma revolução contínua que permanecesse fiel aos princípios de igualdade e justiça social.

5. Familiares das vítimas: Muitos familiares das vítimas do 27 de Maio testemunharam sobre as atrocidades cometidas durante a repressão. Um exemplo é o relato de Maria de Fátima, irmã de um jovem estudante que foi preso e nunca mais foi visto. Maria descreveu a dor e o sofrimento de não saber o destino de seu irmão e criticou a falta de transparência e justiça nos processos pós-golpe.

Esses testemunhos ilustram a complexidade e a intensidade do conflito interno no MPLA e o impacto devastador que o fracassado golpe teve sobre a sociedade angolana. 


 27 de Maio de 1977: Memória, Dor e Lições para o Futuro
Por Artur Cussendala
O dia 27 de Maio de 1977 permanece como uma das páginas mais sombrias e decisivas da história contemporânea de Angola. Não se tratou de uma mera tentativa — foi um golpe de Estado em toda a sua dimensão, que aconteceu, foi sentido, e que fracassou diante da reação rápida e brutal do poder instituído com ajuda de forças externas que guarnecia o Presidente da República.

Movido por profundas divergências internas no seio do próprio MPLA, o golpe refletiu tensões ideológicas, frustrações e confrontos de visão sobre os caminhos da recém-nascida nação angolana. A resposta do Estado, por sua vez, não se limitou a sufocar os protagonistas do levante, mas estendeu-se numa repressão em larga escala, atingindo milhares de cidadãos — muitos dos quais absolutamente alheios aos acontecimentos.
Como em todas as convulsões políticas intensas, houve vítimas inocentes. Provavelmente, a maioria. Pessoas que nada tiveram a ver com conspirações ou disputas internas de poder. Jovens, estudantes, militantes de base, profissionais e até simples transeuntes, apanhados pelo redemoinho da repressão porque, infelizmente, estavam no lugar errado, à hora errada.
Há um velho ditado que resume tragicamente esta realidade: “No duelo entre as ondas bravas do mar e as rochas duras da praia, é o mexilhão que sofre.” E assim foi. Milhares perderam a vida ou a liberdade, sem julgamento, sem defesa, sem sequer saber de que eram acusados.
Diferente de outros países africanos, onde golpes de Estado se tornaram quase rotineiros, Angola nunca mais viveu uma tentativa semelhante. O trauma de 1977 foi, talvez, suficientemente profundo para servir de aviso duradouro. Mas o silêncio, a negação ou o esquecimento não podem ser a resposta de um país que se pretende justo e democrático.
Relembrar o 27 de Maio é um dever de memória. Não para alimentar rancores ou reabrir feridas com ódio, mas para reconhecer a verdade, honrar os que tombaram injustamente e aprender com os erros do passado. A maturidade de uma nação mede-se também pela forma como lida com os seus próprios fantasmas.
Porque um país que apaga o passado condena-se a tropeçar no futuro. Que nunca nos falte coragem para lembrar e responsabilidade para não repetir.
Cusse Ndala no facebook

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