África, o Vaticano e o Papa que nunca virá: Pela construção de uma igreja africana autônomaAo longo da história do cristianismo, especialmente dentro da Igreja Católica Apostólica Romana, o papa tem sido tradicionalmente europeu — sobretudo italiano. De 266 papas ao longo de dois milênios, nenhum foi africano negro. Alguns papas do norte da África (como São Vítor I e São Gelásio I) viveram nos primeiros séculos do cristianismo, mas eram provavelmente
berberes romanizados, não africanos negros de origem subsaariana. Isso levanta uma pergunta incômoda, mas necessária: há espaço para um papa negro na Igreja Romana?
Embora o cristianismo tenha florescido em África desde os seus primórdios, o continente continua relegado a posições marginais no centro de poder do Vaticano. A pergunta que ressoa, especialmente entre os fiéis africanos, é inquietante: por que, após dois mil anos de cristianismo, nunca houve um papa negro?
Com o símbolo da "fumaça branca" como anúncio do novo pontífice, permanece o paradoxo: nenhuma fumaça será verdadeiramente branca enquanto a exclusão persistir.
Desde a sua estrutura fundacional, a Igreja Católica concentrou o seu poder espiritual e político na Europa. A Cúria Romana, o Colégio de Cardeais, as Congregações e demais órgãos decisórios são, em sua maioria, compostos por membros europeus ou educados segundo a tradição teológica ocidental.
Apesar de contar com milhões de fiéis africanos — muitos dos quais vivem a fé com mais intensidade que os europeus secularizados — a África permanece representada de forma simbólica e raramente influente.
A evangelização da África foi frequentemente realizada em paralelo com os processos coloniais. A fé cristã, longe de ser neutra, tornou-se instrumento de destruição de culturas locais, línguas, espiritualidades ancestrais e modos de vida. A fé ensinada vinha acompanhada de uma mensagem implícita: salvação exige submissão.
Esse passado não pode ser ignorado quando se analisa a estrutura da Igreja hoje. A ausência de um papa africano é mais que acaso: é continuidade de um projeto histórico de dominação espiritual.
Diante deste quadro, é legítimo e urgente propor a criação de uma Igreja Católica Africana independente, com sua própria hierarquia, teologia, ritos e liderança espiritual. Uma igreja que:
- valorize a cultura africana como expressão legítima da fé;
- dialogue com tradições espirituais locais sem demonizá-las;
- forme seus próprios teólogos e líderes espirituais com base em realidades africanas;
- escolha o seu próprio chefe — um papa africano — que fale por e para os africanos.
Não se trata de cisma ou revolta, mas de autonomia e maturidade espiritual.
A construção de uma igreja africana enfrentará desafios: resistência interna (de membros apegados ao Vaticano), rejeição externa (por parte da Santa Sé) e o dilema da unidade da fé. No entanto, a história mostra que toda reforma começa com ruptura e coragem.
África precisa de uma igreja que cante com suas vozes, ore com seus ritmos, chore suas dores e celebre sua esperança. Um papa africano só surgirá quando a África decidir não esperar mais pelo fumo branco de Roma, mas acender sua própria chama.
A representatividade importa. O poder importa. A fé importa. A ausência de um papa negro não é um simples detalhe simbólico — é sintoma de uma estrutura desigual. Para curar essa ferida, talvez a solução não esteja em lutar por espaço no Vaticano, mas em construir um novo altar, sobre solo africano, com pedra africana e espírito africano.
10 MAI 2025
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Referências bibliográficas:
Mbiti, John. African Religions and Philosophy.
Tshaka, Rothney. African Theology and the Decolonization of the Christian Mind.
Vatican Archives: List of Popes.
Mudimbe, Valentin-Yves. The Invention of Africa.