sábado, 21 de junho de 2025

 O Penalti que Eu - Artur Cussendala - Inventéi


Acreditem ou não, mas fui eu quem inventou aquele penálti “de nove metros” que hoje muita gente acha que sempre existiu nas peladas de rua. Foi lá pelos idos de 1991 ou 1992, no bairro Rangel, mais precisamente na Rua 8 de Novembro — que os mais antigos chamam até hoje de Rua da Dona Amália — bem junto à pracinha do sarrabulho.
Naquele tempo, o futebol era mais do que brincadeira. Era assunto sério. Um jogo entre kotas e putos podia decidir o clima do bairro por dias. E nesse dia, o prémio não era pouca coisa: um garrafão de vinho. Naquela altura, um garrafão valia quase tanto quanto um troféu da Taça de Angola.
Fui escolhido para ser o árbitro. É que, dizem, eu era dos poucos que conseguia apitar sem ser logo acusado de estar comprado. Mas a verdade é que, mesmo com essa fama, naquele dia fui acusado de ter prejudicado um dos lados num penálti duvidoso — estilo antigo, um pé na baliza e o outro a um metro e meio com o guarda-redes ali mesmo à frente, pronto para rebater com o peito ou com o pé. Deu bronca. Gritos, protestos, ameaças de abandonar o campo... e até o garrafão correu o risco de ficar por abrir.
O jogo terminou empatado. E aí veio a pressão: tinha que haver desempate nas grandes penalidades. Mas como é que eu, já sob suspeita, ia apitar isso sem criar mais confusão? Pensei rápido. Olhei para o asfalto quente, duro, irregular. E inventei: penalti de nove metros, baliza vazia, chute livre. Sem guarda-redes, sem discussão. Era só chutar e acertar.
Os jogadores resmungaram no início, desconfiados. Mas a ideia pegou. Afinal, bater de longe naquela baliza enferrujada, com as traves meio tortas, não era coisa fácil. A pontaria e a calma viraram mais importantes do que a força. A baliza não se mexia, ninguém invadia, e eu ali, sossegado com o meu apito e a reputação salva.
No fim, os kotas venceram. Quem marcou o golo da vitória foi o Pinguinhas, recém-chegado de Portugal, com chute seco e certeiro que ainda hoje alguns juram ter ouvido ecoar no cimento da pracinha.
Saí dali de cabeça erguida, com o apito no bolso e o sentimento de missão cumprida. E até hoje, quando vejo essas disputas por aí com penalti de longe e baliza vazia, sorrio por dentro.
Afinal, foi ali mesmo, no asfalto de Rangel, que esse penalti nasceu — e eu fui o parteiro.

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